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O solo no contexto atual das políticas nacionais e europeias e tipos de agricultura
Ricardo Leitão1
1Universidade de Coimbra, Center for Functional Ecology — Science for People & the Planet, Laboratório Associado TERRA, Departamento de Ciências da Vida, Coimbra, Portugal
O SOLO – UM RECURSO NATURAL
Os solos são um recurso natural valioso e que na Europa, tal como no resto do mundo, se encontram ameaçados como consequência das atividades humanas (Comissão Europeia, 2021b). Nas últimas décadas a degradação dos terrenos e dos solos tem avançado a um ritmo elevado ao que acresce, mais recentemente, a pressão crescente das alterações climáticas. Paralelamente, a biodiversidade entrou numa espiral de declínio resultado, entre várias causas, de práticas de gestão agrícolas insustentáveis (Comissão Europeia, 2019). Para lidar com o crescimento contínuo da população global, a produção agrícola deve aumentar em 60% até 2050 para atender ao aumento da procura (Charles et al., 2010; Lipper et al., 2014).
O aumento na frequência e intensidade de eventos extremos, como secas, chuvas intensas, inundações e temperaturas máximas record, estão já a afetar a produção agrícola mundial. É esperado que estes aumentem até o final do século (IPCC, 2022). Para além da redução no rendimento, o aumento da variabilidade climática exacerba os riscos associados à produção e condiciona a capacidade de resposta dos agricultores (Lipper et al., 2014). A pandemias de COVID-19, a baixa precipitação e, mais recentemente, a guerra Rússia-Ucrânia estão a colocar uma pressão sem precedentes no sistema alimentar europeu, com o aumento contínuo dos preços de combustíveis, energia e fertilizantes e um risco real de escassez de oferta, principalmente ao nível dos cereais. Consciente da complexidade do problema, a Comissão Europeia tem vindo a lançar as bases para um sistema alimentar mais robusto e resiliente, visando aumentar a produtividade agrícola ao mesmo tempo que mantem ou melhora as outras funções do solo.
O SOLO NO CONTEXTO DA UNIÃO EUROPEIA
Apesar das pressões crescentes sobre os solos europeus e do perigo que essas pressões representam para os serviços prestados por solos saudáveis, ainda não existe uma legislação comum da União Europeia (UE) em matéria de proteção do solo. Com o objetivo de preencher esta lacuna na legislação ambiental europeia e incentivar uma abordagem mais holística para a proteção do solo na UE, a Comissão Europeia apresentou em 2006 uma estratégia inovadora intitulada “Estratégia Temática para a Proteção do Solo” que incluía uma proposta de Diretiva-Quadro Solos. A proposta esteve pendente desde 2006, sendo finalmente retirada em maio de 2014, sem nunca ter sido concretizada (Glæsner et al., 2014).
O panorama mudou em 2019 com o anúncio do “Pacto Ecológico Europeu” (Comissão Europeia, 2019), uma nova estratégia de crescimento que veio colocar a sustentabilidade no centro da discussão na UE. O pacto tem como principal objetivo atingir as zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 2050 e que o crescimento económico esteja dissociado da utilização dos recursos. Com este pacto a Comissão Europeia pretende que a UE se transforme numa sociedade equitativa, próspera e inclusiva, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva. O “Pacto Ecológico Europeu” pretende igualmente proteger, conservar e reforçar o capital natural da UE e proteger a saúde e o bem-estar dos cidadãos contra riscos e impactos relacionados com o ambiente. Sob a alçada do “Pacto Ecológico Europeu” a Comissão Europeia lançou em 2020 duas estratégias que tiveram um impacto direto e indireto na proteção do solo: a “Estratégia do Prado ao Prato: para um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente” (Comissão Europeia, 2020b) e a “Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030: Trazer a natureza de volta às nossas vidas” (Comissão Europeia, 2020a) (Figura 1).
Figura 1. Os diversos elementos do “Pacto Ecológico Europeu” (Comissão Europeia, 2019).
A “Estratégia do Prado ao Prato” (Comissão Europeia, 2020b) está no coração do “Pacto Ecológico Europeu” e visa acelerar a transição para um sistema alimentar sustentável (Figura 2). Com esta estratégia a Comissão Europeia pretende que o futuro modelo alimentar na Europa tenha um impacto ambiental neutro ou positivo, que contribua para a mitigar as alterações climáticas e se adapte aos seus impactos, que ajude a reverter a perda de biodiversidade ao mesmo tempo que garante a segurança alimentar, nutrição e saúde pública.
Para isso a Comissão irá trabalhar com os seus parceiros para garantir a todos os consumidores acesso a alimentos suficientes, seguros, nutritivos e sustentáveis e que todos os elementos do setor agrícola e alimentar obtenham retornos económicos mais justos, com especial enfoque para os agricultores. Esta transição foca-se principalmente na combinação de práticas de gestão sustentável com uma abordagem do sistema como um todo, tal como a agricultura de precisão, a agricultura biológica, a agroecologia e a agrofloresta (Comissão Europeia, 2020b).
Figura 2. A visão de sustentabilidade da “Estratégia do Prado ao Prato” (Comissão Europeia, 2020b).
A “Estratégia da Biodiversidade da UE para 2030”, outra das estratégias centrais que compõem o “Pacto Ecológico Europeu”, pretende colocar a biodiversidade na Europa no caminho da recuperação até 2030 (Comissão Europeia, 2020a). Partindo da consciência de que a conservação da biodiversidade tem potenciais benefícios económicos diretos para muitos setores da economia, e que a biodiversidade por si só é também crucial para salvaguardar a segurança alimentar da UE, e mundial, a estratégia define um plano abrangente, ambicioso e de longo prazo para proteger a natureza e reverter a degradação dos ecossistemas através de ações e compromissos específicos.
ESTRATÉGIA DO SOLO DA UE PARA 2030
A “Estratégia do Solo da UE para 2030” (Comissão Europeia, 2021b) é um dos principais componentes da “Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030” juntamente com a “Estratégia para a Adaptação às Alterações Climáticas da EU” (Comissão Europeia, 2021a). Representa um marco na consciencialização dos cidadãos europeus da importância e valorização do solo como elemento vital para a sociedade e para o ambiente. Esta estratégia pretende contribuir para os objetivos do “Pacto Ecológico Europeu” e tem como principais objetivos (Comissão Europeia, 2021b):
Objetivos a médio prazo — até 2030
- Combater a desertificação, restaurar os terrenos e os solos degradados, incluindo terrenos afetados por desertificação, secas e inundações, e lutar para alcançar um mundo neutro em termos de degradação do solo (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 15.3);
- Restaurar zonas significativas de ecossistemas degradados e ricos em carbono, incluindo solos;
- Alcançar a meta da UE de remoções líquidas anuais de gases com efeito de estufa de 310 milhões de toneladas de CO2 equivalentes por ano (em diferentes uso de solo e florestas);
- Alcançar uma boa condição ecológica e química das águas de superfície e uma boa condição química e quantitativa das águas subterrâneas até 2027;
- Reduzir a perda de nutrientes, a utilização global e o risco dos pesticidas químicos e a utilização dos pesticidas mais perigosos, pelo menos, em 50 % até 2030;
- Realizar progressos significativos na reparação de áreas contaminadas.
Objetivos a longo prazo — até 2050
- Chegar a uma situação de ausência de ocupação líquida de terras;
- Reduzir a poluição do solo para níveis que deixem de ser considerados prejudiciais para a saúde humana e para os ecossistemas naturais, e que respeitem os limites que o nosso planeta pode suportar, criando assim um ambiente livre de substâncias tóxicas;
- Alcançar uma Europa com impacto neutro no clima e, como primeiro passo, garantir a neutralidade climática das atividades baseadas nos solos, na UE, até 2035;
- Conseguir que a UE seja uma sociedade resiliente às alterações climáticas e totalmente adaptada aos impactos inevitáveis das mesmas até 2050.
Solos saudáveis fornecem alimentos, biomassa, fibras e matérias-primas, regulam os ciclos da água, do carbono e dos nutrientes e tornam possível a vida terrestre, contribuindo direta e indiretamente para a saúde humana. Urge por isso promover os solos saudáveis como uma solução essencial para fazer face aos grandes desafios que enfrentamos e que integram os objetivos da UE para o clima, a biodiversidade e também os objetivos económicos a longo prazo (Figura 3).