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CONTEÚDOS
Sementes de esteva: de alimento ancestral a ingrediente sustentável
Frazão et al. 2023
Rota sustentável dos resíduos da casca da castanha: potencial de valorização para extração de compostos bioativos
Pakpahan e Espírito Santo 2023
Sementes de esteva: de alimento ancestral a ingrediente sustentável
David Frazão1, Fernanda Delgado (fdelgado@ipcb.pt)2, Fátima Peres2, Celina Barroca2, António Moitinho2, Luísa Paulo3, Mafalda Resende3 e Christophe Espírito Santo3
1Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas, Vila Real; 2Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco; 3Centro de Apoio Tecnológico Agro-Alimentar, Castelo Branco
A esteva (Cistus ladanifer L.) é um recurso vasto e abundante em Portugal. As últimas estimativas indicam que os estevais (matos dominados pela espécie) ocupavam cerca de 250.000 ha em Portugal em 2001, o que representa cerca de 7,5 % da área de Portugal Continental (Godinho-Ferreira et al. 2005). No entanto, dado que esta espécie ocupa áreas com solos degradados tanto por fogos como resultado de atividades antropogénicas e posterior abandono, atualmente, a área de ocupação pelos estevais poderá ser maior. Por um lado, a instalação de um esteval constitui uma barreira à evolução dessas áreas para estados mais graves de degradação, mas, por outro, também constitui uma barreira à evolução da vegetação devido a um mecanismo de auto-sucessão muito associado a fogos florestais, com impactos ambientais e socioeconómicos negativos.
É neste contexto que aparece a necessidade de gestão destes matos e que deve ser feita através da valorização, não só diminuindo os impactos negativos associados (p.e. fogos, insegurança, perda de culturas, libertação de CO2, perda de biodiversidade) como criando impactos positivos como o restauro de florestas degradadas, a fixação de carbono, a contribuição para o abastecimento alimentar e o crescimento económico. Para além dos estevais suportarem atividades económicas como a cinegética e a apicultura, a sua biomassa pode ser valorizada em vários setores: a biomassa lenhosa para o setor energético ou outros através da bioconversão; a biomassa herbácea para alimentação animal; e a resina (lábdano) e óleo essencial para os setores das fragrâncias, da cosmética e farmacêutico (Raimundo et al. 2018). No entanto, os frutos (cápsulas com sementes) (Figura 1), que constituem uma parte significativa da biomassa de esteva estão pouco valorizados.
Figura 1. Cápsulas de esteva, sementes de esteva (fotografia à lupa20x) e farinha de sementes de esteva (da esquerda para a direita).
Um esteval natural pode produzir entre 100 e 300 kg/ha de cápsulas (Frazão et al. 2023), valores dependentes da idade e densidade do esteval. As cápsulas estão maduras e expostas no início do verão e começam a libertar as sementes de 1mm de diâmetro (Figura 1) por abertura dos lóculos no final do verão. Essas sementes constituem cerca de 25-30 % do peso das cápsulas.
Estudos etnobotânicos documentam o consumo das sementes de esteva como alimento pelas populações rurais, de forma crua ou em forma de farinha em pão e bolos (Frazão et al. 2022).
De modo a avaliar a composição nutricional das sementes, cápsulas de C. ladanifer subsp. ladanifer foram colhidas em Penha Garcia, Portugal, durante dois anos (2019 e 2020) em três períodos diferentes. As sementes foram separadas, armazenadas e posteriormente moídas para análise (Figura 1).
As sementes de esteva oferecem uma combinação equilibrada de nutrientes importantes para uma dieta saudável (Figura 2). Em relação ao peso, os hidratos de carbono e fibras são os macronutrientes principais. Mas em relação ao valor energético os hidratos de carbono e os lípidos são os que contribuem mais. Adicionalmente, a proteína e as cinzas apresentam-se numa quantidade significativa.
De acordo com o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar ser uma fonte de proteína e possuir um alto teor em fibra.
Figura 2. Composição de macronutrientes (à esquerda) da farinha de sementes de esteva através da análise proximal (humidade: 70 oC sob vácuo; proteína bruta: método de kjedahl; fibra bruta: método de Wendee; lípidos ou gordura total: extração Soxtec com éter de petróleo; cinzas: incineração a 550 oC; Hidratos de carbono: por diferença) e valor energético da farinha de esteva e as contribuições dos macronutrientes (à direita) de acordo com o Regulamento (UE) 1969/2011.
Sabe-se que os ácidos gordos constituem a maior parte da fração lipídica das sementes de C. ladanifer (Krollmann e Gülz 1983). A quantificação do perfil de ácidos gordos das sementes de esteva está sintetizada na Tabela 1. Dentro destes dominam os ácidos gordos insaturados, principalmente ácido oleico, linoleico e linolénico.
De acordo com o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar possuir um alto teor em ácidos gordos ómega-3.
Também é interessante notar que a proporção ómega-3: ómega-6 (0,27) segue a recomendação de 1:4.
Tabela 1. Perfil de ácidos gordos da farinha de sementes de esteva (GC-FID).
Dado o elevado teor de cinzas, os micronutrientes minerais foram analisados e a sua quantificação está representada na Figura 3.
De acordo com o Regulamento (CE) 1924/2006 (revogado) e o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar não ter sódio/sal, ser uma fonte de cálcio e possuir um alto teor em fósforo, magnésio, potássio, cobre, ferro, manganês e zinco.
Figura 3. Composição mineral da farinha de sementes de esteva (ICP-MS).
Usando dados da composição nutricional de outras sementes, frutos secos e cereais (INSA, 2021, www.portfir.insa.pt), as sementes de esteva posicionam-se, ao lado das sementes ricas em fibras e cinzas, entre os cereais ricos em hidratos de carbono e os frutos secos ricos em gordura (Figura 4).
Figura 4. Projeção das variáveis nutricionais A. e dos cereais, frutos secos e sementes B. no gráfico de dois fatores (componentes) obtido pela análise de componentes principais (PCA) usando os valores médios do estudo (sementes de esteva) e os valores da Plataforma Portuguesa de Informação Alimentar (INSA, 2021; restantes cereais, frutos secos e sementes).
Considerando a vasta área de distribuição e abundância da esteva em Portugal e a composição completa do ponto de vista nutricional, podemos começar a olhar para a esteva como um recurso capaz de contribuir para um abastecimento e segurança alimentar de qualidade.
BIBLIOGRAFIA
Frazão DF; Gonçalves JC, Silva AM, Delgado F (2023) Rockrose land management: contribution of periodic harvesting to increase value and control Cistus ladanifer L. shrublands. Forests 14: 638.
Frazão DF; Paulo L; Peres F; Resende M; Santo CE; Barroca C; Moitinho A; Delgado F (2022) Cistus ladanifer seeds: From ancient snack to novel and sustainable food ingredient. J Food Compos Anal 109: 104503.
Godinho-Ferreira P, Azevedo A, Rego F (2005) Carta da tipologia florestal de Portugal Continental. Silva Lusitana 13 (1):1-34
INSA (2021) PortFIR – Composição de alimentos (database). Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, http://portfir.insa.pt/#. 24 Novembre 2021
Krollmann P, Gülz P-G (1983) Composition of seed lipids from species of the genus Cistus L. (Cistaceae). Zeitschrift für Pflanzenphysiologie 110 (5):469-474
Raimundo JR, Frazão DF, Domingues JL, Quintela-Sabarís C, Dentinho TP, Anjos O, Alves M, Delgado F (2018) Neglected Mediterranean plant species are valuable resources: the example of Cistus ladanifer. Planta 248 (6):1351-1364
Rota sustentável dos resíduos da casca da castanha: potencial de valorização para extração de compostos bioativos
Okta Pringga Pakpahan, Christophe Espírito Santo
CATAA – Centro de Apoio Tecnológico Agro Alimentar, Castelo Branco
O processo de descasque não valoriza os compostos de potencial interesse de vários dos recursos genéticos endógeno. Da perspetiva dos fitoquímicos, as cascas da castanha são um dos compostos bioativos muito promissores (contendo Vitamina E e polifenóis) como ingredientes funcionais na indústria nutracêutica. Considerando este potencial, um método de valorização de resíduos adequado deve também garantir a melhoria dos benefícios para o ambiente. No entanto, a valorização em escala industrial enfrenta um enorme desafio na visibilidade económica e na purificação ecologicamente correta de compostos bioativos.
Figura 1. Compostos bioativos com potencial interesse presentes na casca de castanha.
O objetivo deste estudo é avaliar, comparar e determinar o impacto ambiental num cenário de utilização dos resíduos de casca de castanha para a extração de compostos bioativos. Para isso, utilizou-se o método do Ciclo de Vida para identificar sequências sustentáveis em todo o processo de extração a uma escala da produção industrial.
METODOLOGIA
Os dados para a rota de extração e posterior inventário do Ciclo de Vida foram obtidos através de pesquisas na literatura para 1) técnicas convencionais (Soxhlet extraction) e 2) técnicas verdes (Subcritical Water extraction). De seguida converteu-se o inventário para uma escala de produção industrial através da modelação de 1 tonelada de produto. A ferramenta Midpoint TRACI 2.0 e a bases de dados GaBi – Product Sustainability Performance foram utilizadas para calcular 17 categorias de impacto (Tabela 1).
Figura 2. Resumo da metodologia utilizada nesta abordagem.
Tabela 1. Resultados do impacto obtido através das ferramentas TRACI 2.0 e GaBi para as várias categorias.
RESULTADOS E CONCLUSÕES
Num cenário de escala industrial, em média, 12,08% da extração utilizando métodos convencionais (i.e., extração de Soxhlet – Soxhlet extraction) produz menor impacto ambiental do que a extração utilizando técnicas verdes (Subcritical Water extraction).
Além disso, podem ser alcançados outros ganhos ambientais se o impacto da energia consumida for reduzido, por exemplo, mudando para fontes renováveis de energia. As características da instalação também podem ser otimizadas para reduzir a pegada ambiental. Todos estes ajustes permitirão adaptar o conceito de sustentabilidade à fase de construção de todo o processo e, portanto, permitirão um desempenho sustentável de um produto final melhorado.
AGRADECIMENTOS
Fundação para a Ciência e a Tecnologia financiou o trabalho de Okta Pringga Pakpahan através da bolsa de doutoramento com a referência 2022.14736.BD.
BIBLIOGRAFIA
1. Carneiro, A. P., Rodríguez, O., & Macedo, E. A. (2017). Dissolution and fractionation of nut shells in ionic liquids. Bioresource Technology, 227, 188–196.
2. Cerulli, A., Napolitano, A., Masullo, M., Hoˇsek, J., Pizza, C., & Piacente, S. (2020). Chestnut shells (Italian cultivar “Marrone di Roccadaspide” PGI): Antioxidant activity and chemical investigation within depth LC-HRMS/MSn rationalization of tannins. Food Research International, 129, Article 108787.
3. Gomes, C. P., Dias, R. C. S., & Costa, M. R. P. F. N. (2019). Preparation of molecularly imprinted adsorbents with improved retention capability of polyphenols and their application in continuous separation processes. Chromatographia, 82(6), 893–916.
4. Pinto, D., Cadiz-Gurrea, ´ M. L., Sut, S., Ferreira, A. S., Leyva-Jimenez, F. J., Dall’Acqua, S., … Rodrigues, F. (2020). Valorisation of underexploited Castanea sativa shells bioactive compounds recovered by supercritical fluid extraction with CO2: A response surface methodology approach. Journal of CO2 Utilization, 40, Article 101194.
5. Sphera - GaBi solutions. SPHERA n.d. https://gabi.sphera.com/international/index/ (accessed April 15, 2023).