Por favor aguarde um momento.
Invasões biológicas
Mariana Castro1, João Loureiro1, Joana Costa2, Victoria Ferrero3, Luis Navarro4, Sílvia Castro1
1FLOWer Lab, Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet, Associate Laboratory TERRA, Department of Life Sciences, Universidade de Coimbra, Portugal; 2LEAF-Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food Research Centre, Associate Laboratory TERRA, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal; 3Department of Biodiversity and Environmental Management, University of León, Espanha; 4Departamento de Biología Vegetal y Ciencias del Suelo, Universidad de Vigo, Espanha
A perda contínua da biodiversidade a uma escala global representa um risco para a vida na Terra tal como a conhecemos e mesmo para a própria sobrevivência humana. A biodiversidade, ou seja, a variedade de seres vivos que existe no planeta Terra, está ameaçada e por isso inúmeras ações de conservação têm sido levadas a cabo para evitar perdas ainda mais significativas.
Primeiramente, precisamos estar cientes das causas da perda de biodiversidade para posteriormente podermos atuar na base do problema. As alterações climáticas, devido ao aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2), as alterações do uso do solo como por exemplo, mudança nas práticas agroflorestais, a poluição química e biológica principalmente através de atividades antropogénicas como as fábricas ou descargas químicas nos cursos de água, ou mesmo a eutrofização dos solos (quantidades elevadas de nutrientes no solo através do excesso de adubação) e a acidificação dos oceanos, são alguns exemplos de possíveis causas para a perda e degradação da biodiversidade (Steffen et al., 2011; Corlett, 2015). No entanto, e talvez menos reconhecidas, também as invasões biológicas são uma das causas da perda de biodiversidade nos ecossistemas.
Figura 1. Possíveis causas para a perda da biodiversidade.
De acordo com a Conservação para a Biodiversidade Biológica (https://www.cbd.int/invasive/):
“ESPÉCIES EXÓTICAS QUE SE TORNAM INVASORAS SÃO CONSIDERADAS AS PRINCIPAIS IMPULSIONADORAS DIRETAS PARA A PERDA DA BIODIVERSIDADE EM TODO O MUNDO. ALÉM DISSO, ESTIMA-SE QUE AS ESPÉCIES EXÓTICAS TENHAM UM CUSTO PARA A ECONOMIA DE CENTENAS DE BILIÕES DE DÓLARES POR ANO.”
Nem todas as espécies exóticas se tornam invasoras, uma vez que necessitam de ultrapassar uma série de barreiras. Uma invasão biológica pode ser definida como um processo com múltiplas etapas durante o qual uma espécie é transportada da sua área nativa para uma nova região adquirindo a capacidade de sobreviver e se reproduzir, formando populações estáveis e, subsequentemente, adquirir uma grande capacidade de dispersão (Richardson et al., 2000).
Em Portugal, temos listadas 82 espécies de plantas classificadas como espécies invasoras. Uma das espécies dessa lista é a Oxalis pes-caprae L., vulgarmente conhecida como azedas ou trevo-azedo (https://www.invasoras.pt/especies-invasoras-portugal).
Figura 2. Campo agrícola invadido por Oxalis pes-caprae (retirado de www.invasoras.pt).
Oxalis pes-caprae L.
Nativas da África do Sul, as azedas foram introduzidas como ornamentais no século XIX em vários locais do planeta, tornando-se invasoras em regiões de clima Mediterrânico (Symon, 1961; Michael, 1964; Ornduff, 1987; Castro et al., 2007; Figura 3). Na bacia do Mediterrâneo invade diversos tipos de habitats, apesar de ser mais abundante em áreas ruderais alteradas resultantes de ações antropogénicas como campos agrícolas e pomares.
Figura 3. Área de distribuição de Oxalis pes-caprae. AS – África do Sul (zona nativa), BM – Bacia do Mediterrâneo, Ca – Califórnia, Ch – Chile, Aus – Austrália.
Esta espécie do género Oxalis pode reproduzir-se através de duas estratégias: 1) de forma assexuada – através da produção de bolbos que originam novas plantas (Figura 4A), sendo estas novas plantas clones da planta que lhe deu origem; e 2) sexuada – através da produção de sementes (Figura 4B), promovendo a diversidade genética (Barrett, 2002), o que potencia a capacidade invasora das azedas (Figura 4C).
Figura 4. Aspetos de estruturas reprodutoras de Oxalis pes-caprae: A. bolbos e B. sementes. C. População de Oxalis pes-caprae.
Enquanto na reprodução assexuada temos a formação de um número elevado de novas unidades de dispersão de forma simples, na reprodução sexuada o processo é particularmente complexo. Na área nativa, as populações são compostas pelos três tipos de plantas que diferem na posição relativa dos órgãos sexuais das flores. As flores são constituídas por cinco estigmas fundidos (estilete – parte feminina da flor) e dez anteras (parte masculina) distribuídas por 2 níveis – 5 anteras em cada nível. A posição relativa do estigma em relação às anteras determina o tipo de planta (Figura 5): estilete longo (dois níveis de anteras a baixo), estilete médio (entre os dois níveis de anteras) e estilete curto (dois níveis de anteras acima).
Em cada forma floral, as anteras estão localizadas em alturas recíprocas do estigma das restantes formas florais. Quando um inseto polinizador visita uma flor, o pólen é depositado num local do corpo do polinizador que corresponde à altura do estigma de uma das outras formas florais (exemplo na Figura 5). Este mecanismo promove a polinização entre indivíduos de tipos florais diferentes e a recombinação genética. Além disso, a planta tem a capacidade de reconhecer o seu próprio pólen e de plantas da mesma forma. Assim, a fertilização com pólen da própria flor ou de flores da mesma forma floral é bloqueada pelo sistema de incompatibilidade (Darwin, 1876; Charlesworth e Charlesworth, 1987). Evolutivamente, e numa situação de equilíbrio, cada população é constituída por percentagens similares de cada uma das formas florais.
Figura 5. Três formas florais de Oxalis pes-caprae, com exemplo de polinização entre formas.
Nas áreas invadidas, no início da introdução no século XIX, apenas foi introduzida a forma de estilete curto. Apesar de ser visitada por vários polinizadores (Ferrero et al., 2013, Costa et al., 2014), a falta de formas florais compatíveis para a polinização levou a que esta forma se multiplicasse apenas através da produção de bolbos. Em consequência, ao longo dos tempos, as plantas com maior sucessor reprodutor, ou seja, maior produção de bolbos, foram evolutivamente selecionadas produzindo no presente plantas mais fortes na reprodução assexuada que as plantas da África do Sul (Castro et al., 2016), o que promoveu a invasão.
Contudo, apesar da reprodução assexuada ser uma estratégia ganhadora, recentemente foi observada a produções de frutos e sementes na região da Península Ibérica, adicionando a reprodução sexual a este sistema nas áreas invadidas (Castro et al., 2007). Além disso, também o sistema de incompatibilidade parece ter sido quebrado, um processo que parece estar a expandir-se nesta região (Castro et al., 2013, Costa et al., 2017), e que torna a capacidade de invasão e dispersão das azedas ainda maior.
Para explicar a história complexa desta planta invasora foram preparados alguns conteúdos de forma a sensibilizar todos
(e.g. https://vimeo.com/78522467).
BIBLIOGRAFIA
Barrett SCH. 2002. The evolution of plant sexual diversity. Nature 3: 274–284.
Castro S, Loureiro J, Santos C, Ater M, Ayensa G, Navarro L. 2007. Distribution of flower morphs, ploidy level and sexual reproduction of the invasive weed Oxalis pes-caprae in the western area of the Mediterranean region. Ann Bot 99: 507–517.
Castro S, Ferrero V, Costa J, Sousa AJ, Navarro L, Loureiro J. 2013. Reproductive strategy of the invasive Oxalis pes-caprae: distribution patterns of flower morphs, ploidy levels and sexual reproduction. Biol Invasions 15: 1863–1875.
Castro S, Castro M, Ferrero V, Costa J, Tavares D, Navarro L, Loureiro J. 2016. Invasion fosters change: independent evolutionary shifts in reproductive traits after Oxalis pes-caprae L. introduction. Front Plant Sci 7: 1–13.
Charlesworth D, Charlesworth B. 1987. Inbreeding depression and its evolutionary consequences. Annu Rev Ecol Syst 18: 237–268.
Corlett RT. 2015. The Anthropocene concept in ecology and conservation. Trends in Ecology and Evolution, 30(1): 36–41.
Costa J, Ferrero V, Loureiro J, Castro M, Navarro L, Castro S. 2014. Sexual reproduction in the invasive pentaploid short-styled Oxalis pes-caprae allows the production of viable offspring. Plant Biol 16: 208–214.
Costa J, Ferrero V, Castro M, Loureiro J, Navarro L, Castro S. 2017. Variation in the incompatibility reactions in tristylous Oxalis pes-caprae: large-scale screening in South African native and Mediterranean basin invasive populations. Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics 24, pp.25–36.
Darwin C. 1876. The Effects of Self and Cross Fertilization in the Vegetable Kingdom. John Murray, London, UK.
Ferrero V, Castro S, Costa J, Acuña P, Navarro L, Loureiro J. 2013. Effect of invader removal: pollinators stay but some native plants miss their new friend. Biol Invasions 15: 2347–2358.
Güney, M., Kafkas, S., Koç A., Servet, A., Keles, H., Karci, H. 2019. Characterization of quince (Cydonia oblonga Mill.) accessions by simple sequence repeat markers. Turkish Journal of Agriculture and Forestry 43(1), 69–79.
Lopes, M., Sanches A., Souza K., Silva E. 2018. Quince – Cydonia oblonga. In: Rodrigues, S., Silva, E., Brito, E. (eds) Exotic fruits. Academic Press, Amsterdam, 363–368.
Michael P. 1964. The identity and origin of varieties of Oxalis pes-caprae L. naturalized in Australia. T Roy Soc South Aust 88: 167–173.
Ornduff R. 1987. Reproductive systems and chromossome races of Oxalis pes-caprae L. and their bearing on the genesis of a noxious weed. Ann Mo Bot Gard 74: 79–84.
Rather, G., Bhat, M., Sana, S., Ali, A., Gul, M., Nanda, A., and Hassan, M. 2020. Quince. In: Antioxidants in fruits: Properties and health benefits 397–416.
Richardson DM, Pyšek P, Rejmánek M, Barbour MG, Panetta FD, West CJ. 2000. Naturalization and invasion of alien plants: concepts and definitions. Diversity and Distributions 6: 93–107.
Steffen W, Grinevald J, Crutzen P, McNeill J. 2011. The Anthropocene: conceptual and historical perspectives. Philosophical Transactions of the Royal Society A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, 369(1938): 842–867.
Symon D. 1961. The species of Oxalis established in South Australia. T Roy Soc South Aust 84: 71–77.
Yamamoto T., Kimura, T.J., Soejima, T., Sanada, T., Ban, Y., Hayashi, T. 2004. Identification of quince varieties using SSR marker developed from pear and apple. Breed Sci 54: 239–244.
https://www.cbd.int/invasive/
https://www.invasoras.pt/especies-invasoras-portugal
https://vimeo.com/78522467