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Candidatus phytoplasma em Prunus
Carlote Santos, Daniela Figueira, Sara Rodrigues e Eva Garcia
Laboratório de Fitossanidade – Instituto Pedro Nunes
O género ‘Candidatus Phytoplasma’ (‘Ca. Phytoplasma’) engloba um grupo de bactérias sem parede celular que colonizam o floema de plantas (hospedeiros) e tecidos de insetos (vetores) (Bertaccini et al, 2022), causando doenças em diversas espécies de plantas por todo o mundo.
A transmissão deste agente patogénico a curtas distâncias está associada à atividade de insetos picadores-sugadores pertencentes à ordem Hemiptera (Marques, 2011) que se alimentam nos vasos condutores das plantas. A especificidade da relação fitoplasma-inseto-hospedeiro é complexa e variável, uma vez que a gama de hospedeiros é definida pelos hábitos alimentares do inseto vetor. Ou seja, o inseto vetor pode transmitir vários fitoplasmas a diversos hospedeiros de acordo com o seu padrão de alimentação, e a mesma planta pode ser infetada por uma ou múltiplas espécies de fitoplasmas (Weintraub & Beanland, 2006). A transmissão destes organismos a longas distâncias ocorre através da utilização de material de propagação vegetativo contaminado.
Os fitoplasmas são parasitas obrigatórios e não são cultiváveis in vitro, o que significa que o seu estudo e classificação taxonómica assenta, principalmente em métodos moleculares (Fránová et al. 2014). A classificação das espécies do género ‘Ca. Phytoplasma’ é baseada essencialmente na análise de sequências do gene 16S rRNA, tendo já sido identificadas mais de 40 espécies (Bertaccini, 2022).
As doenças causadas por este género estão bastante disseminadas, principalmente na europa, com elevado impacto económico em culturas de fruteiras, que pode incluir perda parcial ou, em casos extremos, perda total da produção (Marques, 2011). Em fruteiras destacam-se as seguintes espécies enquanto agentes causais de doença:
- ‘Ca. Phytoplasma mali’ (Proliferação da macieira);
- ‘Ca. Phytoplasma pyri’ (Declínio da pereira);
- ‘Ca. Phytoplasma solani’ (“Bois noir” da videira);
- ‘Ca. Phytoplasma prunorum (apricot chlorotic leaf roll, plum leptonecrosis, peach yellowing, declining of plum, peach and almond)
- ‘Ca. Phytoplasma pruni’ (Fitoplasmose das prunóideas (X-disease)
Todas estas espécies do género ‘Ca. Phytoplasma’ estão classificadas como organismos de quarentena pela Organização Europeia e Mediterrânica de Proteção das Plantas (EPPO) e inserem-se na lista A2 (pontualmente presentes no território EPPO e sob controlo oficial), com exceção de ‘Ca. Phytoplasma pruni’, incluído na lista A1 da EPPO (ausente da região EPPO) (EPPO, 2022). Relativamente à União Europeia, estão incluídos na Lista de pragas regulamentadas não sujeitas a quarentena (RNQP) descritas no Anexo IV da Diretiva 2000/29/CE do Conselho de 8 de maio de 2000.
Nas Prunóideas, em particular, apesar de algumas espécies serem hospedeiras de mais do que uma espécie de ‘Ca. Phytoplasma’, as que mais suscitam preocupação são ‘Ca. Phytoplasma prunorum’ – agente causal da doença European stone fruit yellows (ESFY), bastante disseminado no continente europeu (Figura 1) (EPPO, 2023b); e ‘Ca. Phytoplasma pruni’, que, apesar da sua distribuição estar restrita ao continente americano (Figura 2), representa um risco elevado de introdução na Europa (EPPO, 2023a).
Figura 1. Mapa de distribuição geográfica de ‘Candidatus Phytoplasma prunorum’ (EPPO, 2023b).
‘Ca. Phytoplasma prunorum’ infeta de forma natural várias espécies selvagens e cultivares de Prunus (Cieślińska, 2011). As Prunóideas mais suscetíveis a este organismo são o damasqueiro (Prunus armeniaca), o pessegueiro (P. persica), a ameixeira-japonesa (P. salicina) e a ameixeira-europeia (P. domestica). A cerejeira (P. avium) não é um hospedeiro comum deste fitoplasma, e em caso de infeção é aparentemente menos suscetível à doença (Cieślińska, 2011). Nos hospedeiros suscetíveis, a doença afeta diretamente a quantidade e a qualidade do fruto e pode levar ao declínio da planta (EFSA, 2012).
Figura 2. Mapa de distribuição geográfica de ‘Candidatus Phytoplasma pruni’ (EPPO, 2023a).
Na Europa, a presença de ‘Ca. Phytoplasma prunorum’ teve impacto nas principais zonas de produção de frutas de caroço (stone fruit), causando prejuízos económicos consideráveis (EFSA, 2012). A região da bacia mediterrânica é a zona onde se regista maior incidência da doença, tendo-se observado surtos graves ao longo dos últimos anos (Marcone et al., 1996; Paltrinieri et al., 2001;Paltrinieri et al., 2004; Laviña et al., 2004).
Cacopsylla pruni (Hemiptera: Psylloidea) é o principal inseto vetor de ‘Ca. Phytoplasma prunorum’, encontrando-se difundido no Paleártico Ocidental tendo sido detetado em 15 dos 27 países da EU (Steffek et al., 2012). Recentemente, a lista de países em que o vetor se encontra presente foi atualizada, incluindo Portugal (Sauvion et al., 2021) (Figura 3).
Figura 3. Mapa global dos 1716 dados de ocorrência disponíveis no conjunto de dados de Cacopsylla pruni (mapa gerado com QGIS 3.14). O mapa mostra a distribuição das espécies crípticas A (pontos verdes) e B (pontos vermelhos) de acordo com os dados disponíveis. No entanto, a maioria dos dados da literatura (pontos pretos), do GBIF (pontos cor de laranja) ou do catálogo Psylloidea da "Faune de France" (atualmente em publicação) não permite fazer uma distinção entre espécies crípticas (Adaptado de Sauvion et al., 2021).
SINTOMATOLOGIA
‘Ca. Phytoplasma’ spp.
A sintomatologia pode variar de acordo com diferentes fatores, como a espécie da planta, o porta enxerto, o inóculo e a(s) espécie(s) de ‘Ca. Phytoplasma’, as condições climáticas, a idade das árvores e a população de inseto vetor presente (Marcone et al, 2010), mas no geral o conjunto de sintomas é semelhante.
Os fitoplasmas colonizam a planta através da manipulação de várias vias metabólicas (Namba, 2019), desencadeando alterações profundas nos seus processos fisiológicos, nomeadamente ao nível da fotossíntese, substâncias de reserva e equilíbrio hormonal (Namba, 2019; Dermastia, 2019; Bertaccini, 2022). A resposta da planta a estas alterações origina sintomas muito característicos, consistindo normalmente em:
- Proliferação de rebentos de forma descontrolada e agrupamento de pequenos ramos, formando os Witches’ Broom (vassouras e bruxa);
- Crescimento retardado da planta e presença anormal de folhas de tamanho reduzido;
- Filoidia (desenvolvimento de órgãos florais em estruturas foliares) e virescência (desenvolvimento anormal de pigmentação verde);
- Alteração da cor - avermelhamento das folhas superiores e da parte apical;
- Amarelecimento da parte aérea e declínio geral da planta (Bertaccini, 2022).
‘Ca. Phytoplasma prunorum’ (ESFY) e ‘Ca Phytoplasma pruni’ em Prunóideas
A sintomatologia associada às doenças provocadas pelas espécies ‘Ca Phytoplasma prunorum’ e ‘Ca Phytoplasma pruni’ é idêntica e compreende (Fig. 4):
- formação de rebentos foliares prematuros;
- enrolamento das folhas;
- desenvolvimento de folhas com um aspeto deteriorado/perfurado ou com uma coloração outonal (folhas amareladas ou avermelhadas) no verão;
- produção de frutos de baixo calibre e qualidade;
- necrose dos tecidos vasculares floémicos;
- morte de ramos e grande probabilidade de morte da planta infetada (Riedle-Bauer et al, 2019).
Figura 4. Sintomas de ‘Ca. Phytoplasma prunorum’ (ESFY): (a) folhas perfuradas e deterioradas (Davis et al., 2013); (b) enrolamento das folhas e coloração amarelada (EPPO, 2023); (c) Escurecimento e necrose dos tecidos vasculares floémicos (EPPO, 2023).
BIOLOGIA E ECOLOGIA
Em Prunus o fitoplasma pode ser transmitido através do respetivo inseto vetor, mas também por processos de enxertia de material de propagação infetado.
A doença causada por ‘Ca. Phytoplasma prunorum’ (ESFY) é considerada epidémica, uma vez que se pode propagar rapidamente quando o ambiente é favorável ao crescimento das plantas hospedeiras e dos vetores (Carraro e Osler, 2003). C. pruni (psilídeo da ameixeira) é o vetor primário de 'Ca. Phytoplasma prunorum’. Este psilídeo completa uma geração por ano e passa o inverno como adulto em plantas de abrigo, geralmente coníferas em zonas de montanha. No final do inverno, C. pruni desloca-se das plantas de abrigo para espécies de Prunus cultivadas ou selvagens para oviposição. De maio até ao início de julho, a nova geração alimenta-se de espécies de Prunus. Assim que o desenvolvimento dos adultos está completo, C. pruni abandona as árvores de fruto e migra de novo para as plantas de abrigo para hibernar (Thébaud et al., 2009). Durante este período, o fitoplasma coloniza e multiplica-se nas glândulas salivares do inseto (Thébaud et al., 2009). C. pruni permanece infeciosa durante o inverno e na primavera seguinte. Após o período de invernada de oito meses, C. pruni tem uma eficácia de transmissão de 60% (Thébaud et al., 2009). Quando os insetos que hibernam chegam às árvores de fruto de caroço, já estão infetados e infeciosos (Carraro et al., 2001). O período de transmissão natural dura enquanto o vetor estiver presente em espécies de Prunus (Carraro et al., 2004). O psilídeo transmite 'Ca. Phytoplasma prunorum' de uma forma persistente-propagativa (Thébaud et al., 2009). De acordo com um estudo, as fruteiras de caroço infetadas apresentam sintomas típicos de ESFY após um período de incubação de 4-5 meses. 'Ca. Phytoplasma prunorum' pode persistir no caule dos hospedeiros Prunus durante o período de dormência do inverno, em nítido contraste com os fitoplasmas da proliferação da macieira e do declínio da pereira, que só sobrevivem ao inverno nas raízes dos hospedeiros (PPQ, 2022).
Após esta infeção, o fitoplasma invade o sistema floémico da planta infetada causando grandes perturbações fisiológicas devido à interrupção do processo de fornecimento de nutrientes a todos os seus órgãos, levando posteriormente à manifestação dos sintomas mencionados anteriormente (Figura 5).
Figura 5. Ciclo epidemiológico das doenças provocadas pelo género ‘Candidatus Phytoplasma’, em Prunus.
MITIGAÇÃO E CONTROLO
Não existem tratamentos químicos específicos e eficazes para controlo da doença (Marcone et al., 2010), no entanto existem medidas preventivas que se podem adotar para diminuir a probabilidade de infeção, entre elas:
- garantir o uso de material de propagação certificado e saudável através de inspeção de terrenos de origem desse mesmo material, principalmente quando correspondem a países onde o agente patogénico está presente
- controlo de inseto vetor com aplicação de inseticidas;
- destruição de plantas infetadas e gestão sanitária do pomar;
Em algumas regiões, apesar dos esforços preventivos, a presença de espécies selvagens de hospedeiros, dificulta a gestão da dispersão de fitoplasmas e consequentemente da disseminação da doença (Marcone et al., 2010).
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REFERENCIAS IMAGENS DO CICLO:
Inseto: https://www.galerie-insecte.org/galerie/Cacopsylla_pruni.html
pomar saudável: https://pt.dreamstime.com/pomar-com-cerejeiras-vista-para-um-depois-de-florescer-na-alemanha-do-reino-image214197362
tecidos floémicos: https://www.goconqr.com/mapamental/560033/distribuicao-dos-materiais-nos-seres-vivos