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Primeira deteção em Portugal de Monilinia fructicola em pomares de Prunus persica
Elsa Baltazar1 e Joana Costa1,2
1Universidade de Coimbra, Centre for Functional Ecology — Science for People & the Planet, Laboratório Associado TERRA, Departamento de Ciências da Vida, Coimbra; 2Instituto Pedro Nunes, Laboratório de Fitossanidade, Coimbra
A principal área de produção de Prunus persica em Portugal situa-se na região da Cova da Beira, caracterizada pela produção de várias espécies de prunóideas, nomeadamente, cereja, pêssego e nectarina.
Em 2021 foi reportado um declínio anormal de pessegueiros na região da Cova da Beira com morte parcial ou total de algumas plantas. No decorrer do projeto Cultivar, e em colaboração com as associações de produtores locais APPIZEZERE e AAPIM, foram realizadas nas primaveras de 2021 e de 2022 inspeções e prospeções de campo em pomares de pessegueiro e nectarina na tentativa de identificar o agente responsável.
A sintomatologia observada era diversa, mais proeminente na região a norte da Serra da Gardunha, delimitada a vermelho na Figura 1. Os sintomas mais observados incluíam: cancros nos ramos e troncos, presença abundante de gomose em algumas árvores, ramos secos, abortamento floral com libertação de goma de cor âmbar, presença de frutos mumificados nas árvores e morte parcial ou total de algumas plantas.
Com base na sintomatologia observada focou-se a investigação na deteção e identificação de fungos potencialmente fitopatogénicos.
Figura 1. Delimitação da região amostrada localizada a Norte da Serra da Gardunha
PODRIDÃO CINZENTA (MONILINIA SP.)
A podridão cinzenta ou moniliose é causada por três espécies de fungos do género Monilinia, M. fructigena, M. laxa e M. fructicola, sendo a última classificada como organismo de quarentena pertencente à Lista A2 da OEEP/EPPO em pessegueiros, responsável pelo declínio e morte gradual das plantas.
M. fructicola encontra-se presente na América, Austrália e Japão (van Leeuwen et al., 2001). Em contexto europeu foi detetada em inúmeros países: Áustria, República Checa, França, Alemanha, Hungria, Itália, Suíça, Reino Unido e Espanha, entre outros (EPPO, 2018). Este agente patogénico foi detetado pela primeira vez em França em 2001 em pomares de pessegueiro (EPPO, 2002). Já em Espanha foi detetado em março de 2006 em pêssegos mumificados localizados em pomares de Sudanell (Lleida, Espanha).
Flores, ramos e frutos são os principais órgãos vegetativos afetados por este fungo, sendo o sintoma mais observado a necrose da flor; já nos ramos provoca cancros. Os frutos são também suscetíveis permanecendo mumificados e presos à árvore. Estes sintomas foram observados em alguns dos pomares amostrados (Figura 2).
Figura 2. Sintomas de moniliose observados na Cova da Beira.
A presença de moniliose na região está descrita há vários anos com sintomatologia característica, mas sem grande impacto na produção. Esta ocorrência fez com que até à data fosse atribuída à presença de espécies Monilinia sp. menos agressivas (M. laxa, M. frutigena e M. polystoma). No entanto, a elevada mortalidade e severidade dos sintomas observados entre as campanhas em alguns dos pomares de P. persica levou-nos a questionar qual a espécie presente.
OBJETIVO
Este trabalho teve como objetivo a identificação do agente causal responsável pelo declínio de pessegueiros recentemente observado em algumas produções da região da Cova da Beira.
METODOLOGIA
Foram recolhidas amostras de material vegetal sintomático (ramos e flores) de pomares de pêssego e nectarina da região da Cova da Beira. O material vegetal foi acondicionado no frio e processado no laboratório em menos de 24h. Os raminhos sintomáticos foram seccionados em pedaços menores e divididos em duas subamostras analisadas separadamente através da identificação molecular dos isolados e pela identificação molecular a partir de ADN total extraído de tecidos infetados (Figura 3).
Figura 3. Diferentes abordagens para a identificação molecular de Monilinia sp.
Identificação molecular de isolados
A superfície do material vegetal foi previamente desinfetada com hipoclorito de sódio e lavada em água destilada estéril dentro de uma câmara de fluxo laminar vertical. O material vegetal foi inoculado em placas de petri contendo meio de cultura PDA, adicionado de 0,5 (g/l) de estreptomicina para prevenir o aparecimento de bactérias e incubadas a 22ºC ao escuro. As placas foram observadas diariamente com o objetivo de identificar morfologicamente diferentes estruturas fúngicas, seguindo-se o seu isolamento e repicagem até à obtenção de cultura pura. A identificação molecular foi realizada a partir da extração de ADN da cultura pura isolada com o kit REDExtract-N-Amp™, através da amplificação da região ITS (Internal Transcribed Spacer) do rRNA com os primers ITS1 (5'-TCCGTAGGTGAACCTGCG-3') e ITS4 (5'-TCCTCCGCTTATTGATATGC-3') por PCR convencional, desenvolvido por White et al., (1990). Os amplificados foram purificados e sequenciados através de um serviço subcontratado (STABVIDA). A identificação foi realizada através de comparação das sequências obtidas com a da base de dados National Center for Biotechnology Information (NCBI).
Identificação molecular a partir de ADN total extraído de tecidos infetados
A extração de ADN total de fragmentos sintomáticos recolhidos diretamente a partir de material vegetal foi realizada de acordo com a Norma OEPP/EPPO (2020) PM 7/18 (3) Monilinia fructicola, Apêndice 3, por kit de extração de DNA comercial DNeasy Plant Kit (Qiagen), seguindo a metodologia descrita pelo fabricante. A identificação molecular foi realizada através do protocolo de PCR em tempo real descrito na Norma OEPP/EPPO (2020) PM 7/18 (3) Moniliniafructicola, Apêndice 3, que permite distinguir M. fructicola de M. laxa, M. frutigena e M. polystoma.
Sequenciação total do genoma e teste de patogenicidade
De forma a inequivocamente confirmar a deteção de M. fructicola foi realizada a sequenciação total do genoma de um dos isolados. Para tal o ADN total foi extraído com o KIT LUCIGEN (Biosearch Technologies). A sequenciação foi realizada com recurso à plataforma Nanopore Oxford Technology em colaboração com o Centro de Apoio Agro-Alimentar de Castelo Branco (CATAA).
Para confirmar que a sintomatologia observada em campo e típica de moniliose era causada pelos isolados identificados como M. fructicola, foram aplicados os princípios do postulado de Koch. Um dos isolados de M. fructicola foi inoculado em pêssego, nectarina e cereja. Como controlo foi usado um conjunto de frutos inoculados com meio de cultura PDA sem fungo. Os frutos foram incubados em câmara húmida a 22ºC e observados diariamente durante cinco dias. Após cinco dias, o micélio presente nos frutos inoculados foi re-isolado em meio de cultura PDA e a identificação do fungo realizada por PCR em tempo real como previamente descrito na norma anteriormente referida.
RESULTADOS
Identificação morfológica
As colónias suspeitas de Monilinia sp. apresentavam tons acinzentados (Figura 4.B) e produziam conídios abundantes. A esporulação apresentou anéis concêntricos e os macroconídios eram elipsoides unicelulares, hialinos (cinza-amarelo/bege) e em forma de limão (Figura 4.C), correspondendo aos critérios morfológicos descritos na norma OEPP/EPPO (2020).
Figura 4. A. Imagem representativa da inoculação de material vegetal em meio de cultura PDA; B. M. fructicola isolada em placa de petri; C. Estruturas morfológicas de micélio de M. fructicola coradas com azul de algodão.
Ainda segundo a mesma norma, as espécies de Monilinia sp. são muito difíceis de distinguir, embora seja possível combinar características da cultura, como parâmetros de crescimento e características morfológicas (Van Leeuwen & Van Kesteren, 1998; De Cal & Melgarejo, 1999). No entanto, os métodos clássicos não são suficientes para o diagnóstico fitossanitário, pelo que a norma obriga à identificação molecular por PCR convencional ou em tempo real, diretamente a partir da amostra (tecido hospedeiro ou micélio), ou após isolamento.
Identificação molecular
O isolamento de M. fructicola foi confirmado em cinco amostras oriundas de dois pomares com base na sequenciação do primer ITS4, as sequencias foram comparadas com as existentes na base de dados NCBI revelado que partilha 99% de similaridade com sequências de isolados de M. fructicola da Holanda (MH864497.1) e da Sérvia (MT804333.1).
A metodologia com base na Norna OEPP/EPPO (2020) PM 7/18 (3) aplicada aos extratos vegetais de ADN total de ramos sintomáticos, permitiu a deteção de M. fructicola em 10 amostras oriundas de quatro pomares através de PCR em tempo real.
Sequenciação total do genoma e teste de patogenicidade
A sequenciação total do genoma da estirpe (160E) confirmou a sua identificação.
O teste de patogenicidade foi considerado positivo quando se observou o aparecimento de micélio cinzento (Figura 6 d,e,f) característico de Monilinia sp. nos frutos inoculados, não se registando sintomatologia característica de moniliose nos frutos controlo (Figura 6 a,b,c). O ensaio molecular confirmou a identificação de M. fructicola após o teste de patogenicidade.
Figura 6. Teste de patogenicidade, com inoculação de isolado de M.fructicola em frutos, imagens recolhidas após 5 dias de incubação, (1) pêssego, (2) nectarina e (2) cereja.
CONCLUSÃO
M. fructicola foi detetada em cinco amostras oriundas de dois pomares da região da Cova da Beira, confirmada morfológica e molecularmente. Foi ainda detetada molecularmente em outras 10 amostras de quatro outros pomares da região. A sequenciação total do genoma confirmou mais uma vez a identificação como M. fructicola. O teste de patogenicidade foi considerado positivo. Com base nos resultados obtidos reportamos a primeira deteção em Portugal de M. fructicola em pomares de P. persica.
BIBLIOGRAFIA
De Cal, A., & Melgarejo, P. (1999). Effects of long-wave UV light on Monilinia growth and identification of species. Plant Disease, 83(1). https://doi.org/10.1094/pdis.1999.83.1.62
EPPO (2002) Reporting Service 2002/003 First reports of Monilinia fructicola in France No. 1. Paris, 2002-01-01. https://gd.eppo.int/media/data/reporting/rs-2002-01-en.pdf (última consulta 09/01/2023)
EPPO (2018) EPPO Global database. https://gd.eppo.int/ (última consulta 09/01/2023).
EPPO (2020) PM 7/18 (3) Monilinia fructicola. EPPO Bulletin, 50(1). https://doi.org/10.1111/epp.12609
Van Leeuwen GCM, Baayen RP & Jeger MJ (2001) Pest risk analysis (PRA) for the countries of the European Union as PRA area on Monilinia fructicola. Bulletin OEPP/EPPO Bulletin 31, 481–487.
Van Leeuwen, G. C. M., & Van Kesteren, H. A. (1998). Delineation of the three brown rot fungi of fruit crops (Monilinia spp.) on the basis of quantitative characteristics. Canadian Journal of Botany, 76(12). https://doi.org/10.1139/cjb-76-12-2042