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Operation Pollinator: Margens florais promovem os polinizadores e a produção?
Helena Castro e Hugo Gaspar
FLOWer Lab, CFE-TERRA, DCV-FCT Universidade de Coimbra
A tendência de intensificação da agricultura, com aumento da área de produção e da extensão cultivada com monocultura, que resulta numa simplificação da paisagem, e a fragmentação e/ou desaparecimento de habitats naturais, têm impactos negativos na diversidade, na abundância de polinizadores e nos serviços do ecossistema associados.
Figura 1.Exemplo de culturas que necessitam de polinização por insetos polinizadores (entomófila) - cereja, maçã e mirtilo.
Em particular, estas alterações na paisagem contribuem para a alteração e/ou redução da disponibilidade de recursos alimentares florais e de locais de suporte e nidificação dos polinizadores. O grau de impacto dependerá da espécie em causa, das suas necessidades alimentares, das distâncias que podem percorrer em busca de alimento, da sua longevidade, capacidade reprodutora e capacidade migratória (Montero-Castaño and Vilà, 2012).
Figura 2. Os principais grupos de polinizadores em Portugal necessitam de condições de alimento, suporte e nidificação para poderem participar na polinização. Da esquerda para a direita: Abelhas - a maioria das espécies são solitárias e nidificantes em solo, e buscam alimento num raio de até 250-500 metros; Moscas das flores: uma boa parte das espécies é predadora durante o estado larvar, necessitando de vegetação onde encontra as suas presas; Borboletas diurnas: alimentam-se de plantas específicas, muitas vezes apenas presentes em áreas naturais ou seminaturais.
A preocupação com a diminuição da diversidade de polinizadores em agro-ecossistemas, levou a União Europeia, e os países que a integram, incluindo Portugal, a adotar uma estratégia concertada para a biodiversidade, a qual tem objetivos específicos, por exemplo, para aumentar as infraestruturas verdes (Comissão Europeia, 2020). Medidas propostas para promover as comunidades de polinizadores incluem por exemplo a manutenção ou implementação de terras em pousio permanente ou rotativo, sebes, muros de socalcos ou margens florais com misturas de plantas atrativas aos insetos polinizadores junto aos campos de cultivo. Estas estruturas 1) oferecem recursos alimentares e locais de suporte e nidificação; 2) podem constituir corredores verdes, ligando habitats favoráveis isolados e reduzindo a fragmentação da paisagem, beneficiando assim polinizadores com menor capacidade de voo, por exemplo abelhas solitárias (Garibaldi et al., 2011, 2014).
Uma revisão por (Albrecht et al., 2020) de estudos avaliando o impacto de margens florais em sistemas agrícolas, mostra que, globalmente, estas têm efeito positivo nos polinizadores e serviços de polinização. No entanto estes efeitos positivos foram observados essencialmente nas partes do campo adjacentes à margem floral e não se observaram efeitos significativos na produção das culturas. Uma conclusão relevante deste estudo é que o sucesso das margens florais depende de diversos fatores, tais como a estrutura da paisagem, a composição da margem floral, a idade da margem floral e o tipo de gestão.
Figura 3. A paisagem tem um papel importante na qualidade dos serviços de polinização e no sucesso de medidas de gestão. Podem ser mais naturalizadas ou mais artificializadas, e o ideal estará onde ocorra o maior equilíbrio de representação de habitats.
Em paisagens complexas, por exemplo com mosaicos de áreas naturais, semi-naturais, culturas permanentes e culturas temporárias, a margem floral pode não trazer vantagens, pois a paisagem é suficientemente diversa para albergar diversidade de recursos, no tempo e no espaço, bem como diversidade de locais de nidificação e suporte, favorecendo a presença de grande diversidade de polinizadores (Mandelik et al., 2012). Por outro lado, em paisagens muito simplificadas e artificializadas, podem não ter sucesso por falta de polinizadores no local que colonizem essas margens.
Paisagens com complexidade intermédia poderão ser as que mais beneficiam da instalação de margens florais. Um estudo por (Mota et al., 2022), em campos de girassol mostrou que a implementação de margens florais em regiões onde havia fragmentos de vegetação natural e semi-natural, a implementação das margens florais contribuiu para promover os polinizadores e a produção da cultura.
A composição e idade da margem floral são também fatores a ter em conta. Espera-se que uma margem floral com mais diversidade promova a complementaridade de recursos florais, contribuindo para maior diversidade de recursos florais e consequentemente maior diversidade de polinizadores, bem como para a disponibilidade dos recursos ao longo do ciclo de vida dos polinizadores.
Os polinizadores requerem tempo para ocupar e desenvolver as suas populações na margem floral, podendo ser necessários 2 a 3 anos para que se observe efetivamente o efeito da instalação destas estruturas (Blaauw and Isaacs, 2014).
Operation Pollinator
Uma iniciativa dinamizada pela Syngenta, consiste na instalação de misturas de sementes em áreas de produção agrícola, por forma a fornecer alimento e condições de nidificação e suporte para os polinizadores e outros insetos auxiliares, com o objetivo de promover um efeito positivo global na biodiversidade e respetivos serviços dos ecossistemas. Globalmente, este projeto inclui mais de 8 milhões de hectares em 41 países, tendo chegado a Portugal em 2009.
Em colaboração com esta iniciativa, durante o ano de 2022, monitorizámos durante um dia os polinizadores e quantificámos défices de polinização e produção em 3 pomares de maçã e 2 pomares de pera onde se instalaram margens com misturas florais pela primeira vez. As observações foram feitas no ano de instalação das margens florais, não refletindo o efeito total nas comunidades de polinizadores e plantas e na produção da cultura, uma vez que estas refletem o sucesso de reprodução no ano anterior, além de ser impactado pela variabilidade nas condições ambientais inter-anuais e atratividade da sementeira. Assim, o efeito não é imediato (Albercht et al. 2020).
Figura 4. Exemplos de locais de estudo onde é visível a sementeira e o pomar.
Parâmetros de biodiversidade na cultura
Relativamente aos polinizadores observados nas culturas, o levantamento dado pelos resultados realça a variabilidade existente entre locais desde o ponto de partida, podendo-se identificar pomares com baixa diversidade e abundância de polinizadores em contraste com outros pomares com níveis de abundância e diversidade significativamente superiores.
Em particular, a diversidade variou entre pomares, de menos de 10 espécies de polinizadores até 30 espécies, e no número de polinizadores observados, de 50 até mais de 400. Os polinizadores na cultura ora eram largamente dominados por abelhas (dentro destas por abelha do mel ou abelhões) ou por moscas das flores e outras moscas. Onde as abelhas dominaram, também visitaram mais flores de cada vez, enquanto que onde não dominaram, visitaram um número de flores próximo do número de flores visitadas por moscas e outros grupos.
Figura 5. Resultados do levantamento da comunidade de polinizadores das culturas de estudo. Os códigos “OP” seguidos por dois números correspondem aos locais de estudo.
Cada espécie de polinizador tem diferentes graus de efetividade de polinização por cada visita a uma flor (influência do comportamento, tamanho ou estruturas do corpo, assim como da forma da flor), daí que os valores mais baixos de abundância não reflitam necessariamente menor contributo na polinização. No entanto estes dados são muito importantes para o conhecer a comunidade de polinizadores.
Além da observação direta de polinizadores a visitar flores da cultura, analisámos a comunidade de polinizadores no pomar e na sementeira, através de capturas com rede entomológica. Os padrões são semelhantes, mas, como esperado, apresentam níveis mais altos de diversidade e abundância, pois nem todos os polinizadores visitam as flores de maçã e pera, já que há diversos fatores que influenciam o comportamento dos polinizadores (ex. recompensas e atrativos florais).
Os resultados da avaliação da diversidade e abundância de plantas fornecida pela sementeira em relação ao existente em cada pomar, mostram que houve um contributo positivo consistente da sementeira para a diversidade florística do local, permitindo o fornecimento de maior riqueza de alimento para os polinizadores.
Em particular, relativamente ao que existia em cada pomar, as sementeiras contribuíram com mais espécies de plantas com flor de 20 a 77%, no número de famílias de plantas com flor de 0 a 33% e no número de flores extra cultura de 33 a 62%. Estas percentagens excluem um dos locais de estudo em que o número de espécie aumentou 8 vezes e o número de famílias, 3 vezes, já que não existia praticamente qualquer coberto vegetal no pomar.
Parâmetros de produção das culturas
No que respeita aos parâmetros de produção das culturas, avaliou-se o impacto das comunidades de polinizadores dos locais de estudo, comparando a produção de fruto em condições de polinização natural e após a adição manual de pólen de cultivares compatíveis (suplemento). Observou-se, nos dois pomares de maçã, que a percentagem de frutos produzida em resultado da polinização natural foi inferior à percentagem de frutos resultantes do suplemento.
Figura 6. Percentagem de frutos formados em resultado da polinização natural em maçã e pera e da polinização suplementar em maçã. (No pomar de maçã 3 a falta de frutos está relacionada com o fato de ser um pomar recém instalado).
Estes resultados indicam a existência de défices de polinização nestes pomares sugerindo que as comunidades de polinizadores são insuficientes para alcançar produtividades ótimas. Isto indica que, nestes pomares, medidas de promoção da biodiversidade são necessárias para promover as comunidades de polinizadores e melhorar o serviço de polinização.
No caso concreto dos pomares de pera em estudo, a gestão da produção é feita, com uso de hormonas de desenvolvimento vegetal e sem inclusão de variedades polinizadoras, contornando assim a dependência de polinização para a obtenção de fruto. Este tipo de gestão limita o potencial de qualidade do fruto (melhorias, por exemplo, no sabor, aspeto, tempo de prateleira, etc.) mas garante a existência de fruta comercializável. Desta maneira não foi possível quantificar o impacto da comunidade de polinizadores porque estes insetos apenas transportaram pólen sem qualidade para uma boa polinização (dada a ausência de variedades polinizadores para o efeito).
Por forma a compreender o efeito real das sementeiras nos polinizadores e na produção das culturas, é necessário que este trabalho seja feito de forma comparativa entre locais diferentes e com uma periodicidade inter-anual. Desta forma será possível avaliar o efeito da sementeira e ter em conta o efeito que as variações inter-anuais poderão ter na composição e abundância de espécies quer de plantas quer de polinizadores. Ainda assim, o estudo no ano inicial de implementação foi realizado com sucesso em 5 locais e marca a precedência para trabalhos futuros.
BIBLIOGRAFIA
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