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CONTEÚDOS
Caracterização morfológica e fenológica de Asphodelus bento rainhae subsp. bento-rainhae
Delgado 2023
Avaliação do estado de conservação do habitat de Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae)
Roque et al. 2023
Caracterização citogenética de abrótea
Castro et al. 2023
Caracterização morfológica e fenológica de Asphodelus bento rainhae subsp. bento-rainhae
Fernanda Delgado
Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Escola Superior Agrária, Portugal; Centro de Estudos Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS- IPCB); CBPBI - Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior, Castelo Branco
A identificação do endemismo Ibérico, circunscrito à vertente Norte da Serra da Gardunha, Abrótea-da-Gardunha é de extrema importância quando pretendemos gerir a sua conservação e preservar a biodiversidade bem como, proceder à reintrodução da espécie ou o aumento populacional em áreas consideradas sensíveis.
Nomenclatura, estatuto
Asphodelus bento-rainhae P. Silva subsp. bento-rainhae P. Silva in Agronomia Lusitana 18 (1) :20-21 (1956)
Figura 1. Aspeto dos elementos morfológicos de maior relevância para a identificação da espécie: Flor com os seus órgãos reprodutivos, Cápsulas.
Morfologia
A espécie Asphodelus bento-rainhae pertence à classe das monocotiledóneas. De acordo com a classificação de Raunkiaer (1934) é um géofito rizomatoso, de rizoma oblíquo, com raízes tuberoso-fasciculadas, carnudas apresentando dilatações fusiformes, na maioria sésseis (A), apresenta escapo liso de (70) 90-130 cm, delgado (3 a 8 mm), simples ou superiormente pauci (2, menos vezes 3 a 5)-ramoso, com os ramos de 15-35 cm ascendentes (C) (P. Silva, 1956).
Segundo P. Silva (1956) as folhas são lineares, glaucas, desde triangulares a caniculado-aquilhadas, com 3 a 12 mm de largura (B), já secas na frutificação.
Pedicelos frutíferos articulados entre 1/4 e 1/3, menos vezes a 1/2 do seu comprimento e então arqueado-ascendentes. Tépalas de 11-14 mm, oblanceoladas, esbranquiçados e com a nervura vermelho-acastanhada (P. Silva, 1996). Os estames apresentam os filetes salientes e, o estilete excede os estames. A cápsula é mitriforme, enérvea antes da maturação transversalmente nervoso-rugosa na deiscência (5-7 rugas), subtetraédrica (D,E), escavado-deprimida no ápice, com as valvas obcordadas, com 6,5-7 por 6-8 mm (F,G) (P. Silva, 1956 e Díaz Lifante & Valdés ,1996).
Sementes agudamente trigonais, atenuadas nas extremidades, negras, levissimamente pontuado-rugosas (H) (P. Silva, 1956).
Figura 2. Aspeto morfológico dos diferentes órgãos identificativos da espécie (Delgado, 2010).
Fenologia
As observações relativamente às fases de desenvolvimento das plantas foram efetuadas, numa primeira fase, em laboratório e numa segunda fase in situ, numa parcela de castinçal (coordenadas 40º07’27,0”N; 007º31’58,8”W a 658 m de altitude, Norte).
Os estádios fenológicos tiveram como base registos dos estádios principais de crescimento da Escala BBCH (BLEIHOLDER,1996) e considerados, em data, quando 50% das plantas se encontravam nesse estádio de desenvolvimento. Todas as observações foram realizadas semanalmente ou em determinados períodos diariamente. Não foi efetuada a avaliação baseada nem em métodos qualitativos nem em métodos semi-quantitativos de avaliação fenológica. A escala adaptada contemplou as seguintes fases:
1. Desenvolvimento das folhas
1.1 1ª folha(>3cm) claramente visível (abrolhamento);
1.9 9 ou mais folhas claramente visíveis (fase de roseta);
5. Desenvolvimento do escapo floral
5.1 Início da formação do escapo floral;
5.5 Primeiras flores individuais da inflorescência (ainda fechadas);
6. Floração
6.1 Início da floração: 10% das plantas possuem inflorescência com as primeiras flores abertas;
6.2 Plena floração: 50% das flores abertas;
7. Formação do fruto
7.1 Primeiras cápsulas formadas;
7.5 50% de cápsulas formadas
8. Maturação dos frutos e sementes
8.5 50% de frutos maduros;
8.9 Maturação completa: sementes negras e duras;
9. Senescência
9.7 Morte das partes aéreas;
Das observações efetuadas ao longo do ciclo vegetativo da planta assinalam-se na figura 3 as datas de observação dos diferentes estágios fenológicos de A. bento-rainhae, no ano de 2021.
Figura 3. Evolução fenológica de A. bento-rainhae, com base na escala BBCH, para o ano de 2021.
Na A. bento-rainhae a germinação é hipógea, pois o cotilédone alcança um pequeno desenvolvimento ficando enterrado debaixo da terra, assim como a semente. A primeira folha emerge pelo ápice da bainha do cotilédone, no ponto de união com este. Quando a primeira folha emerge pode ficar rodeada na sua base por uma segunda bainha ou lígula na base. A secção da primeira folha é sempre triangular.
O tempo que demora a aparecer a primeira folha desde o momento da germinação é geralmente inferior a uma semana e as medidas, com este tempo, variam entre os 10 e 25cm, parecendo estar relacionado o comprimento da folha com o tamanho das sementes (Delgado, 2010).
Quanto ao aparecimento da segunda folha esta, varia entre as 10 e as 14 semanas, desenvolvendo somente duas no máximo três folhas no primeiro ano de vida confirmando dados obtidos por Díaz Lifante (1993) (Figura 4A).
A formação da roseta das folhas ocorre no final do inverno e início da primavera, sendo formado por várias folhas verdes aptas a realizar a fotossíntese (1.9) (Figura 4B).
Os resultados das observações semanais in situ durante a época de Outono ao local do castinçal permitiu avaliar o desenvolvimento de A. bento-rainhae anualmente em função das condições edafo-climáticas, tendo-se verificado o abrolhamento, no início do mês de Novembro em 2021 o que vem de encontro ao obtido por Delgado (2010) em 2004, 2005 e 2006, ao contrário de 2007 e 2008 onde só em Janeiro se registou o abrolhamento, devido ao facto de nestes 2 últimos anos a precipitação e temperaturas terem sido mais baixas que o normal para a Vertente Norte da Serra da Gardunha..
A roseta de folhas (Figura 4B) forma-se em meados de Janeiro em 4 dos anos do estudo (2004, 2005, 2006 e 2021) e só em Fevereiro nos anos 2007e 2008. O início do aparecimento da haste floral (Figura 4C) ocorre em Março de início até ao fim do mês e é um processo lento que depende das condições edafo-climáticas do local.
O início da floração dá-se mais tarde, em meados do mês de Abril (Figura 4E), tendo sido observada a plena floração no início do mês de Maio (Figura 4F), prolongando-se até ao início do mês de Junho, onde se começa a verificar o início da frutificação, que se vai prolongar até meados de Julho (Figura 4H).
Segundo Franco & Rocha Afonso (1994), as folhas secam nesta fase. Tendo sido observado este facto, dá-se assim a senescência da parte vegetativa da planta. Ao logo da estação de Verão dá-se a senescência da inflorescência frutífera.
Pode observar-se em cada uma das figuras o aspeto dos diferentes estádios fenológicos considerados.
Figura 4. A. Estádio 1.1- 1ª folha a 5ª folha claramente visíveis. B. Estádio 1.9 -Roseta de folhas de Asphodelus bento-rainhae. C. Estádio 5.1-Início do aparecimento da haste floral de Asphodelus bento-rainhae. D. Estádio 5.5 – Flores ainda fechadas na inflorescência. E. Estádio 6.1- Inicio da floração. F,G. Estádio 6.2 - Plena floração. H. Estádio 8.9. Maturação completa.
Os estudos fenológicos têm uma grande utilidade no fornecimento das bases metodológicas para o estudo de fenómenos tão importantes como o aquecimento global e as flutuações climáticas interanuais, pois sabendo que a fenologia, dependendo da espécie, responde mais ou menos às alterações climáticas verifica-se que no caso de A. bento-rainhae há antecipação de todos os estágios de desenvolvimento à medida que as temperaturas aumentam ou diminui a precipitação do ciclo outonal ao estival. Assim, teremos que estar alertas a estes fenómenos na perspetiva de conservação desta espécie.
BIBLIOGRAFIA
Bleiholder, H. (1996) Compendio para la identificacion de los estádios fenológicos de espécies mono y dicotiledóneas cultivadas. Escala BBCH extendida. BASf. Limburgerhof.
Carapeto A., Francisco A., Pereira p., Porto M.. (eds.) 2020 Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental. Sociedade Portuguesa de Botânica, Associação Portuguesa de Ciência da Vegetação- PHYTOS e Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (coord.). coleção “Botânica em Português”, Volume 7. Imprensa Nacional. Lisboa.
Clamote, F.; Gomes, C.T. Asphodelus bento-rainhae P. Silva subsp. bento-rainhae—Distribution Map. Flora-On: Interactive Flora of Portugal, Portuguese Botanical Society. Available online: Http://Www.Flora-on.Pt/#wAsphodelus+bento-Rainhae+subsp.+bento-Rainhae (accessed on 31 May 2022).
Delgado, F. 2010. Conservação e valorização de Asphodelus bento-rainhae P. Silva e Lavandula luisieri (Rozeira) Rivas-Martínez da Beira Interior. Lisboa: Universidade Técnica. Instituto Superior de Agronomia. 132 p., 9 f. Tese de Doutoramento.http://hdl.handle.net/10400.11/544
Díaz Lifante, Z & Valdés, B. 1993. Desarrollo y morfologia de las plantas en el género Asphodelus L. (Asphodelaceae). Webia. 75-89.
Diaz Lifante & Valdés (1996) Boissiera. Mémoires de botanique systématique. Vol 52 .Genéve.
Franco, J. A. & Rocha Afonso, M.L. 1994. Nova Flora de Portugal (Continente e Açores). Vol. III – Fascículo I (Alismatacea – Iridacea). Escolar editora, Lisboa.
P. Silva (1956) Asphodelus bento-rainhae P. Silva, sp. nov.. Agronomia Lusitana 18 (1):20-21.
Raunkiær, C. (1934) The Life Forms of Plants and Statistical Plant Geography, being the collected papers of C. Raunkiær. Oxford University Press, Oxford. Reprinted 1978 (ed. by Frank N. Egerton), Ayer Co Pub., in the "History of Ecology Series"
Avaliação do estado de conservação do habitat de Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae)
Natália Roque1,2,3, Fernanda Delgado1,2,4, Paulo Fernandez1,5
1Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Escola Superior Agrária; 2Centro de Estudos Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS- IPCB); 3QRural - Qualidade de Vida no Mundo Rural, Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Politécnico de Castelo Branco; 4CBPBI - Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior, Castelo Branco; 5MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE – Global Change and Sustainability Institute
O habitat do endemismo regionalmente conhecido por Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae) encontra-se circunscrito à vertente Norte da Serra da Gardunha, preferencialmente no subcoberto de castinçais e de carvalhais e nas suas orlas arbustivas e herbáceas. As diversas pressões, como a expansão de pomares e o uso de herbicidas, têm impactado no declínio continuado da área de dispersão e da qualidade do habitat desta espécie, por isso foi classificada como “Em Perigo” na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e urge estudar a conservação deste endemismo.
Neste trabalho foi recolhida informação sobre o estado de conservação das comunidades da abrótea, ao nível de abundância da espécie, com recurso aos dados de presença histórica (2004-2006). Para avaliar o estado atual de conservação destas comunidades, efetuou-se o estudo de uma área de 7230 ha, caraterizada por uma estrutura populacional fragmentada e com baixo número de indivíduos (trata-se, de um endemismo lusitânico exclusivo do sistema montanhoso central ibérico), entre os 490 e 850 m de altitude (DELGADO, 2010).
METODOLOGIA
Para a recolha de informação sobre o estado de conservação das comunidades da Abrótea-da-Gardunha, ao nível de abundância da espécie definiu-se como área de estudo a vertente norte e usou-se uma área de envolvência de 1 km (Figura 1).