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CONTEÚDOS
Caracterização morfológica e fenológica de Asphodelus bento rainhae subsp. bento-rainhae
Delgado 2023
Avaliação do estado de conservação do habitat de Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae)
Roque et al. 2023
Caracterização citogenética de abrótea
Castro et al. 2023
Caracterização morfológica e fenológica de Asphodelus bento rainhae subsp. bento-rainhae
Fernanda Delgado
Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Escola Superior Agrária, Portugal; Centro de Estudos Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS- IPCB); CBPBI - Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior, Castelo Branco
A identificação do endemismo Ibérico, circunscrito à vertente Norte da Serra da Gardunha, Abrótea-da-Gardunha é de extrema importância quando pretendemos gerir a sua conservação e preservar a biodiversidade bem como, proceder à reintrodução da espécie ou o aumento populacional em áreas consideradas sensíveis.
Nomenclatura, estatuto
Asphodelus bento-rainhae P. Silva subsp. bento-rainhae P. Silva in Agronomia Lusitana 18 (1) :20-21 (1956)
Figura 1. Aspeto dos elementos morfológicos de maior relevância para a identificação da espécie: Flor com os seus órgãos reprodutivos, Cápsulas.
Morfologia
A espécie Asphodelus bento-rainhae pertence à classe das monocotiledóneas. De acordo com a classificação de Raunkiaer (1934) é um géofito rizomatoso, de rizoma oblíquo, com raízes tuberoso-fasciculadas, carnudas apresentando dilatações fusiformes, na maioria sésseis (A), apresenta escapo liso de (70) 90-130 cm, delgado (3 a 8 mm), simples ou superiormente pauci (2, menos vezes 3 a 5)-ramoso, com os ramos de 15-35 cm ascendentes (C) (P. Silva, 1956).
Segundo P. Silva (1956) as folhas são lineares, glaucas, desde triangulares a caniculado-aquilhadas, com 3 a 12 mm de largura (B), já secas na frutificação.
Pedicelos frutíferos articulados entre 1/4 e 1/3, menos vezes a 1/2 do seu comprimento e então arqueado-ascendentes. Tépalas de 11-14 mm, oblanceoladas, esbranquiçados e com a nervura vermelho-acastanhada (P. Silva, 1996). Os estames apresentam os filetes salientes e, o estilete excede os estames. A cápsula é mitriforme, enérvea antes da maturação transversalmente nervoso-rugosa na deiscência (5-7 rugas), subtetraédrica (D,E), escavado-deprimida no ápice, com as valvas obcordadas, com 6,5-7 por 6-8 mm (F,G) (P. Silva, 1956 e Díaz Lifante & Valdés ,1996).
Sementes agudamente trigonais, atenuadas nas extremidades, negras, levissimamente pontuado-rugosas (H) (P. Silva, 1956).
Figura 2. Aspeto morfológico dos diferentes órgãos identificativos da espécie (Delgado, 2010).
Fenologia
As observações relativamente às fases de desenvolvimento das plantas foram efetuadas, numa primeira fase, em laboratório e numa segunda fase in situ, numa parcela de castinçal (coordenadas 40º07’27,0”N; 007º31’58,8”W a 658 m de altitude, Norte).
Os estádios fenológicos tiveram como base registos dos estádios principais de crescimento da Escala BBCH (BLEIHOLDER,1996) e considerados, em data, quando 50% das plantas se encontravam nesse estádio de desenvolvimento. Todas as observações foram realizadas semanalmente ou em determinados períodos diariamente. Não foi efetuada a avaliação baseada nem em métodos qualitativos nem em métodos semi-quantitativos de avaliação fenológica. A escala adaptada contemplou as seguintes fases:
1. Desenvolvimento das folhas
1.1 1ª folha(>3cm) claramente visível (abrolhamento);
1.9 9 ou mais folhas claramente visíveis (fase de roseta);
5. Desenvolvimento do escapo floral
5.1 Início da formação do escapo floral;
5.5 Primeiras flores individuais da inflorescência (ainda fechadas);
6. Floração
6.1 Início da floração: 10% das plantas possuem inflorescência com as primeiras flores abertas;
6.2 Plena floração: 50% das flores abertas;
7. Formação do fruto
7.1 Primeiras cápsulas formadas;
7.5 50% de cápsulas formadas
8. Maturação dos frutos e sementes
8.5 50% de frutos maduros;
8.9 Maturação completa: sementes negras e duras;
9. Senescência
9.7 Morte das partes aéreas;
Das observações efetuadas ao longo do ciclo vegetativo da planta assinalam-se na figura 3 as datas de observação dos diferentes estágios fenológicos de A. bento-rainhae, no ano de 2021.
Figura 3. Evolução fenológica de A. bento-rainhae, com base na escala BBCH, para o ano de 2021.
Na A. bento-rainhae a germinação é hipógea, pois o cotilédone alcança um pequeno desenvolvimento ficando enterrado debaixo da terra, assim como a semente. A primeira folha emerge pelo ápice da bainha do cotilédone, no ponto de união com este. Quando a primeira folha emerge pode ficar rodeada na sua base por uma segunda bainha ou lígula na base. A secção da primeira folha é sempre triangular.
O tempo que demora a aparecer a primeira folha desde o momento da germinação é geralmente inferior a uma semana e as medidas, com este tempo, variam entre os 10 e 25cm, parecendo estar relacionado o comprimento da folha com o tamanho das sementes (Delgado, 2010).
Quanto ao aparecimento da segunda folha esta, varia entre as 10 e as 14 semanas, desenvolvendo somente duas no máximo três folhas no primeiro ano de vida confirmando dados obtidos por Díaz Lifante (1993) (Figura 4A).
A formação da roseta das folhas ocorre no final do inverno e início da primavera, sendo formado por várias folhas verdes aptas a realizar a fotossíntese (1.9) (Figura 4B).
Os resultados das observações semanais in situ durante a época de Outono ao local do castinçal permitiu avaliar o desenvolvimento de A. bento-rainhae anualmente em função das condições edafo-climáticas, tendo-se verificado o abrolhamento, no início do mês de Novembro em 2021 o que vem de encontro ao obtido por Delgado (2010) em 2004, 2005 e 2006, ao contrário de 2007 e 2008 onde só em Janeiro se registou o abrolhamento, devido ao facto de nestes 2 últimos anos a precipitação e temperaturas terem sido mais baixas que o normal para a Vertente Norte da Serra da Gardunha..
A roseta de folhas (Figura 4B) forma-se em meados de Janeiro em 4 dos anos do estudo (2004, 2005, 2006 e 2021) e só em Fevereiro nos anos 2007e 2008. O início do aparecimento da haste floral (Figura 4C) ocorre em Março de início até ao fim do mês e é um processo lento que depende das condições edafo-climáticas do local.
O início da floração dá-se mais tarde, em meados do mês de Abril (Figura 4E), tendo sido observada a plena floração no início do mês de Maio (Figura 4F), prolongando-se até ao início do mês de Junho, onde se começa a verificar o início da frutificação, que se vai prolongar até meados de Julho (Figura 4H).
Segundo Franco & Rocha Afonso (1994), as folhas secam nesta fase. Tendo sido observado este facto, dá-se assim a senescência da parte vegetativa da planta. Ao logo da estação de Verão dá-se a senescência da inflorescência frutífera.
Pode observar-se em cada uma das figuras o aspeto dos diferentes estádios fenológicos considerados.
Figura 4. A. Estádio 1.1- 1ª folha a 5ª folha claramente visíveis. B. Estádio 1.9 -Roseta de folhas de Asphodelus bento-rainhae. C. Estádio 5.1-Início do aparecimento da haste floral de Asphodelus bento-rainhae. D. Estádio 5.5 – Flores ainda fechadas na inflorescência. E. Estádio 6.1- Inicio da floração. F,G. Estádio 6.2 - Plena floração. H. Estádio 8.9. Maturação completa.
Os estudos fenológicos têm uma grande utilidade no fornecimento das bases metodológicas para o estudo de fenómenos tão importantes como o aquecimento global e as flutuações climáticas interanuais, pois sabendo que a fenologia, dependendo da espécie, responde mais ou menos às alterações climáticas verifica-se que no caso de A. bento-rainhae há antecipação de todos os estágios de desenvolvimento à medida que as temperaturas aumentam ou diminui a precipitação do ciclo outonal ao estival. Assim, teremos que estar alertas a estes fenómenos na perspetiva de conservação desta espécie.
BIBLIOGRAFIA
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Delgado, F. 2010. Conservação e valorização de Asphodelus bento-rainhae P. Silva e Lavandula luisieri (Rozeira) Rivas-Martínez da Beira Interior. Lisboa: Universidade Técnica. Instituto Superior de Agronomia. 132 p., 9 f. Tese de Doutoramento.http://hdl.handle.net/10400.11/544
Díaz Lifante, Z & Valdés, B. 1993. Desarrollo y morfologia de las plantas en el género Asphodelus L. (Asphodelaceae). Webia. 75-89.
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Franco, J. A. & Rocha Afonso, M.L. 1994. Nova Flora de Portugal (Continente e Açores). Vol. III – Fascículo I (Alismatacea – Iridacea). Escolar editora, Lisboa.
P. Silva (1956) Asphodelus bento-rainhae P. Silva, sp. nov.. Agronomia Lusitana 18 (1):20-21.
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Avaliação do estado de conservação do habitat de Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae)
Natália Roque1,2,3, Fernanda Delgado1,2,4, Paulo Fernandez1,5
1Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Escola Superior Agrária; 2Centro de Estudos Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS- IPCB); 3QRural - Qualidade de Vida no Mundo Rural, Unidade de Investigação e Desenvolvimento do Instituto Politécnico de Castelo Branco; 4CBPBI - Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior, Castelo Branco; 5MED – Mediterranean Institute for Agriculture, Environment and Development & CHANGE – Global Change and Sustainability Institute
O habitat do endemismo regionalmente conhecido por Abrótea-da-Gardunha (Asphodelus bento-rainhae subsp. bento-rainhae) encontra-se circunscrito à vertente Norte da Serra da Gardunha, preferencialmente no subcoberto de castinçais e de carvalhais e nas suas orlas arbustivas e herbáceas. As diversas pressões, como a expansão de pomares e o uso de herbicidas, têm impactado no declínio continuado da área de dispersão e da qualidade do habitat desta espécie, por isso foi classificada como “Em Perigo” na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental e urge estudar a conservação deste endemismo.
Neste trabalho foi recolhida informação sobre o estado de conservação das comunidades da abrótea, ao nível de abundância da espécie, com recurso aos dados de presença histórica (2004-2006). Para avaliar o estado atual de conservação destas comunidades, efetuou-se o estudo de uma área de 7230 ha, caraterizada por uma estrutura populacional fragmentada e com baixo número de indivíduos (trata-se, de um endemismo lusitânico exclusivo do sistema montanhoso central ibérico), entre os 490 e 850 m de altitude (DELGADO, 2010).
METODOLOGIA
Para a recolha de informação sobre o estado de conservação das comunidades da Abrótea-da-Gardunha, ao nível de abundância da espécie definiu-se como área de estudo a vertente norte e usou-se uma área de envolvência de 1 km (Figura 1).
Figura 1. Localização da área e estudo: Limite da Gardunha, Grelha de validação com uma área de envolvência (1km) e elevações da área-estudo.
As variáveis de preparação do trabalho de campo consideradas foram: a altitude, área Classificada (ICNF) (Figura 1), os Solos (Figura 2A), e os dados de presença dos trabalhos efetuados por ESTEVES (2005) e RODRIGUES (2006). Tendo como base uma grelha da área em estudo com 4617 células, cuja área de cada célula era 125 x 125 m, selecionaram-se 117 células (Figura 2B), em que: 8 células verificam todas as condições;75 células verificam 3 condições; 34 células verificam 2 condições.
Figura 2. Preparação dos trabalhos de campo: A. solos e B. grelha de validação de campo.
Trabalho de campo
O trabalho de campo foi coincidente com a época de floração da Abrótea-da-Gardunha para se poderem detetar melhor as plantas, nos estratos arbustivos e arbóreos. Efetuaram-se nove dias de trabalho de campo, o trabalho de campo teve em média 9 horas de duração (Figura 3).
Figura 3. Esquema de trabalhos de campo: Duração, Calendarização e Equipa de trabalho.
A recolha das presenças, foi efetuado usando o posicionamento com GNSS (Global Navigation Satellite System), com recurso ao equipamento Spectra Precision SP20, em conjunto com o Software de Campo MobileMapper Field Android e com o Software de planeamento MobileMapper Office.
O posicionamento foi configurado por acesso à rede RENEP e com correção diferencial em Tempo Real, o que permitiu obter um levantamento de presenças com precisão centimétrica. Foi ainda recolhida uma fotografia como a que consta na figura 3, para cada posição da Abrótea-da-Gardunha.
Análise de variáveis Fisiográficas, Ambientais e Edáficas
Foi recolhida a variável fisiográfica -elevação (DEM- Digital Elevation Model) e, a partir deste modelo foram determinadas as outras variáves: declives e exposição de encosta e efetuado o cálculo da Radiação solar.Estes dados foram obtidos pela Cartografia Topográfica à escala de 1:10000, Tabela 1, os modelos gerados foram produzidos com a resolução espacial de 1m.
Em termos de variáveis ambientais usaram-se a precipitação positiva: Pp, temperatura mínima: Tmin, temperatura média: Tmédia, temperatura máxima: Tmax, Índice de Continentalidade: Ic, Índice de Térmicidade: It e o Índice de Ombrotérmico: Io, dados disponibilizados por Monteiro-Henriques et al (2016.), com uma resolução de 111x 111.
A informação edáfica foi baseada na Carta Complementar de Solos (1: 25 000) (Cardoso, 1974), na carta N.º 256, para a área em estudo, há uma diversidade de classe de solo nesta área, contando-se 37 diferenciações e já nesta cartografia se mapeava a área urbana. Os Solos mais comuns são da classe Spn (Solos Litólicos, Não Húmicos, Pouco Insaturados, Normais, de material coluviado derivado de gnaisses ou rochas afins, Ex. Granito), com 22% da área em análise, as restantes classes têm valores menores que 10 % (Figura 2A).
RESULTADOS
As variáveis fisiográficas, ambientais e edáficas, e a informação das presenças foi estruturada numa base de dados SIG para produção de análise espacial, os dados foram mapeados ArcGIS® Desktop v10.8.1. No trabalho de campo, efetuou-se a visita a um total de 187 células, sendo que se obteve a presença em 153 células e ausência em 34 células, da grelha inicial de validação (117 células), Figura 4.
Figura 4. Grelha de validação do trabalho de campo.
Da recolha das variáveis fisiográficas e ambientais, efetuou-se a análise pela matriz de correlação efetuada no programa de análise estatística PAST Versão 4.12.
A matrizes de correlação (Figura 5), relativa aos dados das presenças da espécie mostram uma correlação muito forte entre a Precipitação positiva (Pp) o Índice Ombrotérmico (Io) e a altitude (DEM), o que está intimamente ligado pois a elevação de um determinado lugar influencia a quantidade de pluviometria do mesmo, e o índice Ombrotérmico (Io) é ainda influenciado pelo mesmo facto, pois depende e varia com a quantidade de pluviometria de cada lugar.
Figura 5. Matriz de Correlação de Pearson para as ocorrências de Abrótea-da-Gardunha.
Outra correlação muito alta é apresentada por sua vez pelas várias temperaturas do lugar (T min, Tmax, Tmédia) mas também há uma forte correlação destas variáveis com o It (índice de termicidade), já que são estas variáveis que são usadas no seu cálculo (Figura 5).
Em relação aos solos encontramos, 38% das presenças da Abrótea-da-Gardunha em Solos Litólicos, não Húmicos, Pouco Insaturados, Normais, de material coluviado derivado de gnaisses ou rochas afins, Ex. Granito (Spn), com menor representatividade encontramos as classes de solos Pg e Pgm, com 14% e 12% das presenças, respectivamente. Em que Pg (Solos Litólicos, Não Húmicos Pouco Insaturados, Normais, de granitos) e Pgm (Solos da mesma origem mas em transição para quartzodioritos).
CONCLUSÕES
Da comparação dos dados atuais com dados obtidos em trabalhos anteriores (2005 e 2006), verifica-se a manutenção da espécie em 60 células, uma perda em 10 células, mas um aumento de presença em 93 novas células, podemos afirmar que estas células de presenças registadas em 2021, se situam na área envolvente dos registos de 2005 e 2006, o que vem comprovar fraca dispersão da espécie (Figura 6).
Figura 6. Avaliação temporal das ocorrências de Abrótea-da-Gardunha.
Comprova-se ainda, que em termos de núcleos se obteve uma densidade considerada alta (3 ou mais plantas/m2), nos núcleos indicados a azul escuro, em cerca de 70 ha, enquanto que nas áreas e azul ciano temos densidades mais comuns de 1 a 3 plantas/m2, num total de 123 ha (Figura 7). Os principais núcleos da Serra da Gardunha estavam em 2021 com densidades muito elevadas, muito provavelmente pelo facto de termos vivido um período de confinamento, que permitiu a sua evolução sem restrições, nem impactos humanos nas áreas do seu desenvolvimento.
Figura 7. Densidade das ocorrências de Abrótea-da-Gardunha.
A presença da espécie perfaz 2,7% do total da área da vertente norte da serra da Gardunha (área em estudo).
BIBLIOGRAFIA
CARDOSO, J. C. 1974. A classificação dos solos de Portugal – Nova versão. Boletim de Solos do S.R.O.A., 17: 14-46.
DELGADO, F. 2010. Conservação e valorização de Asphodelus bento-rainhae P. Silva e Lavandula luisieri (Rozeira) Rivas-Martínez da Beira Interior. Lisboa: Universidade Técnica. Instituto Superior de Agronomia. 132 p., 9 f. Tese de Doutoramento. http://hdl.handle.net/10400.11/544
ESTEVES, Maria de Lurdes Espadinha (2005) - Contribuição para o estudo da ecologia e da conservação de Asphodelus bento-rainhae P. Silva. Dissertação de Mestrado. Universidade dos Açores. Angra do Heroísmo.
MONTEIRO-HENRIQUES T, MARTINS MJ, CERDEIRA JO, SILVA PC, ARSÉNIO P, SILVA Á, BELLU A, COSTA JC 2016. Bioclimatological mapping tackling uncertainty propagation: application to mainland Portugal. International Journal of Climatology 36(1): 400-411. doi:10.1002/joc.4357.
RIBEIRO, S; DELGADO, F e ESPIRITO-SANTO, M D. Comunidades de Asphodelus bento-rainhae P. Silva: diversidade, ecologia e dinâmica serial. Silva Lus. [online]. 2012, vol.20, n.1-2, pp.138-143. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-63522012000100011&lng=pt&nrm=iso
RODRIGUES, Isabel Maria (2006) - Contributo para a gestão das relações entre a culura da cerejeira e a conservação do Asphodelus bento-rainhae na Serra da Gardunha. Dissertação de Mestrado. Universidade dos Açores. Angra do Heroísmo.
Caracterização citogenética de abrótea
Mariana Castro, Sara Lopes, Catarina Siopa, Sílvia Castro e João Loureiro
FLOWer Lab, CFE - Universidade de Coimbra
A caracterização de um organismo é feita tendo por base diferentes carateres. Além dos carateres morfológicos que nos ajudam a distinguir as diferentes espécies, também o tamanho do genoma (quantidade de ADN que cada núcleo contém) é característica de uma determinada espécie. Em alguns casos, espécies que morfologicamente são semelhantes entre si e facilmente confundidas podem apresentar diferentes tamanhos de genoma. Adicionalmente, na história evolutiva das plantas ocorrem frequentemente fenómenos de duplicação de genoma que dão origem a novos organismos, frequentemente com um conjunto de características ecológicas e adaptativas distinto. Desta forma, é muito importante quantificar o tamanho de genoma das diferentes espécies de forma a perceber se é um caracter distintivo.
Em Portugal existem 8 espécies de Asphodelus (nome comum: abrótea) com morfologias muito diferentes: A. aestivus (Figura 1A), A. albus subsp. villarsii, A. bento-rainhae subsp. bento-rainhae, A. fistulosus (Figura 1B), A. lusitanicus, A. macrocarpus subsp. macrocarpus (Figura 1C), A. ramosus subsp. distalis e A. serotinus (Figura 1D).
Figura 1. Exemplos de inflorescências de Asphodelus spp.. Fotografias e informação extraídas da página Flora-on (https://flora-on.pt/#/1asphodelus)
No entanto, e apesar de toda a diversidade morfológica, para podermos distinguir algumas destas espécies necessitamos de observar estruturas muito particulares e que estão disponíveis num curto período de tempo, nomeadamente, o tamanho e a forma das tépalas, frutos e sementes, o que nos remete para uma correta identificação apenas durante a fase de floração e frutificação. Utilizando o tamanho de genoma, e caso este seja diferente entre as variedades, será possível a sua distinção durante todo do ciclo de vida.
A CITOMETRIA DE FLUXO E A QUANTIFICAÇÃO DO TAMANHO DE GENOMA
A citometria de fluxo é uma técnica rápida, simples e relativamente pouco dispendiosa que permite a análise das propriedades óticas de partículas em suspensão líquida como a florescência e a dispersão da luz (Doležel et al., 2007). Através deste parâmetro podemos quantificar o tamanho e a complexidade das partículas analisadas (análise da dispersão da luz), bem como a composição celular da partícula (análise da fluorescência).
Esta técnica foi inicialmente desenvolvida para contagem de células sanguíneas em contexto clínico nos anos de 1950 (Shapiro 2007), sendo aplicada à Botânica apenas 30 anos mais tarde (Doležel et al. 2007). Na Botânica, a citometria de fluxo é usada para a quantificação do conteúdo em ADN nuclear, quer em termos absolutos (quantificação do tamanho de genoma) ou relativos (estimativa do nível de ploidia). Em ambos os casos, necessitamos de ter as nossas partículas de interesse, neste caso os núcleos, isolados numa suspensão líquida homogénea e corados com um fluorocromo excitável pela fonte luminosa presente no citometro de fluxo. Em 1983, Galbraith e colaboradores (Galbraith et al., 1983) desenvolveram uma metodologia muito simples, mas que é usada ainda atualmente, apenas com algumas adaptações consoante a espécies em causa. De forma resumida, os núcleos são isolados através do corte do tecido vegetal num caixa de Petri com uma solução tampão; essa solução é filtrada e a suspensão com os núcleos corada com um fluorocromo (por exemplo: Iodeto de propídeo para quantificação do tamanho de genoma ou DAPI no caso de estimativa do nível de ploidia). Após cerca de 10 minutos de incubação à temperatura ambiente pode ser analisada num citómetro de fluxo (Figura 2).
Figura 2. Protocolo geral da citometria de fluxo. Imagem adapatada de: https://www.beckman.com/resources/reading-material/application-notes/plant-genome-size-flow-cytometry-analysis
Estas análises do conteúdo em ADN nuclear são efetuadas em comparação com um padrão de referência cujo tamanho de genoma é previamente conhecido e selecionado de acordo com a espécie em estudo. Tendo em conta a grande variação no tamanho de genoma das espécies vegetais (0.06-152.20 picogramas/1C; Doležel et al., 2007) foi compilada uma lista de padrões vegetais certificados e que são gratuitamente disponibilizados (para mais informações ver http:// https://olomouc.ueb.cas.cz/en/). Os núcleos do padrão de referência são isolados conjuntamente com os da espécie de estudo.
METODOLOGIA
Em cada população de Asphodelus foi colhida uma folha de cada indivíduo, 2 a 10 indivíduos por população, e guardadas em sacos herméticos a 4ºC até a análise. Um voucher de herbário de cada população foi colhido para identificação da espécie.
No laboratório, e usando como referência o protocolo proposto por Galbraith et al., 1983, numa caixa de Petri foi colocado 1 ml de solução tampão (WPB, Loureiro et al. 2007), 10 mg de folha de Asphodelus e 5 mg de folha do padrão de referência. A suspensão resultante foi filtrada usando um filtro de nilon de 50 μm e corada com 50 μg/mL de Iodeto de propídeo. Após 5 minutos de incubação a amostra foi analisada no citómetro de fluxo (Partec CyFlow Space) usando o laser verde como fonte luminosa (532 nm a 30 mW). Os resultados foram obtidos através do software Partec FloMax software (v. 2.5). Em cada amostra foram analisadas pelos menos 1300 núcleos de Asphodelus. Os valores da fluorescência relativa (FL) foram usados para o cálculo do tamanho de genoma (TG) das espécies de Asphodelus (Figura 3) através da fórmula:
Nas análises do género foram usados três padrões de referência, consoante o tamanho de genoma de cada espécie de Asphodelus: Solanum lycopersicum (tomateiro) – tamanho de genoma = 1.96 picogramas, Bellis perennis (margarida) – tamanho de genoma = 3.86 picogramas ou Pisum sativum (ervilheira) – tamanho de genoma = 9.09 picogramas. O nível de ploidia foi também estimado tendo em conta o tanho de genoma.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O tamanho de genoma de três espécies de Asphodelus (A. fistulosus, A. bento-rainhae subsp. bento-rainhae e A. macrocarpus subsp. macrocarpus) foram estimados através da análise de 164 indivíduos de 21 populações. Outras duas espécies de Asphodelus presentes em Portugal têm também o tamanho de genoma estimado através de citometria de fluxo (Tabela 1).
Tabela 1. Espécie com tamanho de genoma estimado através de citometria de fluxo (2x - diploide, 4x – tetraploide, 8x - octoploide).
Dentro da espécie A. fistulosus encontrámos indivíduos que se enquadram em duas grupos diferentes de tamanhos de genoma, um aproximadamente o dobro do outro. Estava variação de tamanho de genoma indica que dentro desta espécie temos a presença de poliploides, ou seja, indivíduos que têm mais do que duas cópias de cada cromossoma (Figura 3). A existência de poliploides está documentada na literatura e estende-se a outras espécies do género. Assim, se assumirmos que ~3.00 pg representam o tamanho de genoma de um diploide, em Asphodelus encontramos pelo menos 3 níveis de ploidia distintos: diploides, tetraploides e octoplóides.
Figura 3. Exemplos de gráficos obtidos nas análises de citometria de fluxo para cada espécie analisada.
No caso do A. bento-rainhae subsp. bento-rainhae (abrótea-lusitanica), um endemismo de Serra da Gardunha listado como em perigo na Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, vemos que o tamanho de genoma é similar a outras espécies deste género, que descritos na literatura, o que impossibilita a sua distinção com base neste carater. Por outro lado, o A. macrocarpus subsp. macrocarpus foi a espécie que apresentou um tamanho de genoma maior de todas as que já foram analisadas. Desta forma, e tendo em conta que na Serra da Gardunha podemos encontrar quer A. bento-rainhae subsp. bento-rainhae, quer A. macrocarpus subsp. macrocarpus, podemos diferenciá-los usando o tamanho de genoma como carater distintivo o que permite uma correta identificação em qualquer fase do ciclo de vida destas espécies.
BIBLIOGRAFIA
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