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CONTEÚDOS
Modelação da distribuição e produtividade do pinheiro-bravo em portugal e o impacto das alterações climáticas
Pedrosa 2023
Modelação da distribuição e produtividade do pinheiro-bravo em portugal e o impacto das alterações climáticas
Cristina Alegria (crisalegria@ipcb.pt), Alice Almeida, Natália Roque, Paulo Fernandez e Maria Margarida Ribeiro, Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco
A floresta de pinheiro-bravo em Portugal Continental
O pinheiro-bravo, em Portugal (Figura 1) distribui-se numa faixa costeira das bacias dos rios Sado e Tejo até à bacia do rio Minho, penetrando no interior norte e centro até cotas de 700-900 m. O seu ótimo climático corresponde a uma temperatura média entre 13 e 15 °C, uma temperatura média do mês mais frio entre 8 e 10 °C, precipitação média anual entre 500 mm e 1200–1400 mm, e as regiões basais (0–400 m) são as mais favoráveis. O crescimento da espécie tem severas limitações acima de 800 m devido ao vento e neve. Como espécie pioneira, cresce bem em solos pobres com texturas leves, preferencialmente siliciosas (Alegria et al., 2020; Alegria et al., 2021).
Figura 1. Floresta de pinheiro-bravo (1995-2015) e mudanças de ocupação (Alegria et al., 2020).
Em Portugal Continental a produtividade média anual da produção em lenho do pinheiro-bravo (povoamentos maduros de 35–45 anos) é cerca de 5–10 m3ha−1ano−1 a norte do rio Tejo, e diminui, em geral, para 4 m3ha−1ano−1 a sul do rio Tejo. As produtividades mais reduzidas (0,7–3,4 m3ha−1ano−1) verificam-se nas áreas de baixa qualidade, como nas dunas costeiras. As maiores produtividades são nas regiões do centro litoral seguindo-se as regiões montanhosas e de média altitude no norte e centro do país (e.g., cerca de 10,3 m3ha−1ano−1) (Alegria et al., 2020).
Nos últimos 50 anos (IFN 1965-2015) a área de pinheiro-bravo têm sofrido uma notável diminuição em consequência dos incêndios, que tem vindo a ser substituído sobretudo por eucalipto. Embora a regressão das áreas de pinheiro-bravo se verificasse desde a década de 60 do século XX, essa tendência tornou-se mais marcada durante o período de 1995-2010 (-263 mil ha), continuando a observar-se em 2015, com as áreas de pinheiro-bravo a serem convertidas principalmente em matos e pastagens (165 mil ha) e em plantações de eucalipto (70 mil ha) (Alegria et al., 2021). Verifica-se, também, uma alteração na distribuição das áreas destes povoamentos por classes etárias (Figura 2) Alegria et al., 2021).
Figura 2. Floresta de pinheiro-bravo: A. Alteração da área de pinheiro-bravo (1965-2015); e B. Alteração da estrutura etária das áreas dos povoamentos (1995, 2005 e 2015) (Alegria et al., 2021).
Esta situação vai ter um efeito prejudicial na sustentabilidade da floresta de pinheiro-bravo, no médio-longo prazo. Em 1995 as áreas dos povoamentos da floresta de pinheiro-bravo, de estrutura regular apresentavam uma distribuição por classe etária bastante uniforme, mas, em 2005 iniciava-se a forte diminuição dos povoamentos maduros e velhos (>40 anos). O grande incêndio ocorrido em 2003 teve um impacto significativo no aumento dos novos povoamentos por regeneração natural (<10 anos). Esta tendência foi ainda mais notória em 2015, com um aumento maciço de povoamentos estabelecidos por regeneração natural (<10 anos), e o quase desaparecimento dos povoamentos maduros e velhos (>40 anos). Observou-se, entre 1995 e 2015, um aumento de povoamentos de estrutura irregular, devido à ausência de gestão (desertificação humana, envelhecimento dos proprietários florestais e falta de investimento florestal devido ao elevado risco de incêndio). Após o grande incêndio de 2017 (14 anos após o incêndio de 2003) é expectável que a área ardida dos povoamentos jovens (<10 anos; sem produção viável de sementes) dificilmente venha a recuperar por regeneração natural. Assim, será esperado novamente a conversão das áreas de floresta de pinheiro-bravo para matos ou para outras espécies resultando na continuada diminuição das áreas desta espécie (Alegria et al., 2021).
Objetivos no projeto
Os estudos desenvolvidos tiveram os seguintes objetivos: (1) modelar a distribuição atual e a produtividade do pinheiro-bravo; (2) modelar a distribuição futura da espécie em cenários de alterações climáticas recorrendo a várias abordagens metodológicas; e (3) comparar os mapas obtidos das diferentes abordagens metodológicas.
MÉTODOS
Para detalhes relativamente aos métodos consultar Alegria et al. (2020, 2021, 2023). A modelação da distribuição do pinheiro-bravo teve por base os dados da presença da espécie na COS 1995 (grelha de 1 x 1 km2) e os correspondentes dados climáticos (1960-1990), dados de elevação e dados de solo (resolução espacial de 1 km.
A produtividade dos povoamentos de pinheiro-bravo foi avaliada através do cálculo do índice de qualidade de estação (IQE). Este é definido como a altura dominante do povoamento a uma idade de referência (e.g. perto da idade de corte do povoamento). A modelação da produtividade atual do pinheiro-bravo foi realizada tendo por base as parcelas de inventário do IFN4 (1995) em povoamentos puros, para as quais se calcularam os valores do IQE. Para os locais destas parcelas de inventário extraíram-se os correspondentes dados climáticos (1960-1990), elevação e dados de solo.
Na modelação da (1) distribuição atual da espécie foi usado o software open-source WEKA (Waika to Environment for Knowledge Analysis). Este software permite o pré-processamento de Big Data. Foram selecionadas as melhores variáveis explicativas para realizar o ajustamento dos modelos usando vários algoritmos Machine Learning.
A modelação da (2) produtividade atual da espécie foi realizada usando uma abordagem geoestatística (krigagem simples) através de simulação gaussiana sequencial (SGS), um algoritmo de simulação sequencial estocástica.
A modelação da (3) distribuição potencial da espécie foi realizada usando duas abordagens metodológicas: a modelação Machine Learning usando o software MaxEnt e os envelopes ecológicos. Estas duas abordagens foram comparadas entre si.
RESULTADOS
(1,2) Modelação da distribuição atual e da produtividade do pinheiro-bravo
O mapa da distribuição atual do pinheiro-bravo (Figura 3) foi obtido por modelação usando o algoritmo Random Forests, com uma eficiência de 69%, usando as seguintes variáveis ambientais: BIO5—Temperatura máxima do mês mais quente (°C), BIO6—Temperatura mínima do mês mais frio (°C), BIO7—Amplitude térmica anual (°C), BIO12—Precipitação anual (mm), E—Elevação (m); e WRBFU—tipo de solo (códigos) (Alegria et al., 2021).
Figura 3. Pinheiro-bravo: distribuição atual da espécie (COS 1995), modelação da distribuição atual da espécie (coberto de 0-100%) e gráfico dos resíduos (Alegria et al., 2021).
O mapa da produtividade atual do pinheiro-bravo (Figura 4), obtido por simulação gaussiana sequencial (SGS), mostra áreas de alta produtividade (IQE50 > 18,1 m; IQE35 > 21,16 m) principalmente no oeste-Norte e Centro do país. As regiões do interior estão associadas a alta incerteza espacial, enquanto as regiões costeiras estão associadas a baixa incerteza espacial, como esperado devido à distribuição atual da espécie (Alegria et al., 2020).
Figura 4. Pinheiro-bravo – Modelação por Simulação Sequencial Gaussiana (imagem média de 100 cenários) e correspondente incerteza espacial (DP- desvio padrão): Dados – parcelas IFN4; índice de qualidade de estação IQE50 (i.e., a altura dominante (m) aos 50 anos) por; e índice de qualidade de estação IQE35 (i.e., a altura dominante (m) aos 35 anos) (Alegria et al., 2020).
(3) Modelação da distribuição potencial do pinheiro-bravo no presente e no futuro em cenários de alterações climáticas
Observa-se no mapa do envelope ecológico produzidos para o pinheiro-bravo (Figura 5) que Portugal Continental tem, atualmente, um elevado potencial de florestação para a espécie. Porém, prevê-se que até 2070 as áreas de aptidão excelente para a espécie se limitem a uma faixa costeira a norte do país (Alegria et al., 2020; Alegria et al., 2023).
Para os cenários climáticos futuros preveem-se para a espécie uma perda de potencial para a espécie, intensificada do melhor para o pior cenário (RCP4.5 e RCP8.5). Acresce que as atuais áreas de aptidão excelente para a espécie se alterem tornando-se, no futuro, áreas de aptidão boa e regular. As áreas marginais para as espécies aumentarão principalmente no interior do país, em ambos os cenários (RCP4.5 e RCP8.5) (Alegria et al., 2020; Alegria et al., 2023).
Do mapa obtido por modelação Machine Learning usando o software MaxEnt, com o algoritmo da Máxima Entropia (Figura 5), observa-se que os impactos das mudanças climáticas nas distribuições futuras das espécies foram moderados. Ocorreu, no entanto, uma redistribuição de áreas: 47,3% da área de aptidão regular-média-alta para 48,7%–48,3% nos cenários de alterações climáticas futuras do menos gravoso para o mais gravoso, i.e., RCP4.5 e RCP8.5 (Alegria et al., 2023).
Da análise das duas abordagens metodológicas ensaiadas (Figura 5), o mapa do envelope ecológico da espécie para o presente foi mais próximo da distribuição do potencial empírico da espécie enquanto o mapa obtido por modelação Machine Learning usando o software MaxEnt resultou numa maior dependência à distribuição atual da espécie. Da comparação entre as duas abordagens metodológicas, resultou uma concordância de 44% no presente, diminuindo para 30%–35% no futuro sob os cenários de mudanças climática (RCP4.5 e RCP8.5) (Alegria et al., 2023).
Figura 5. Pinheiro-bravo – distribuição potencial da espécie por classes de aptidão: A. Empírico e Envelopes ecológicos; B. Atual e MaxEnt; e C. concordância entre Envelopes ecológicos e MaxEnt (Alegria et al., 2023).
Conclusões
A produção de mapas de distribuição atual, da produtividade e da distribuição potencial no presente e no futuro, em cenários de alterações climáticas, são ferramentas indispensáveis ao apoio à decisão em planeamento e gestão florestal. Permitem avaliar se a distribuição atual da espécie se encontra nos locais da sua maior aptidão e apoiar a escolha dos locais mais adequados para a arborização/rearborização das espécies.
Os ciclos de vida das florestas são longos (p.e., o corte final na floresta de pinheiro-bravo pode ocorrer a partir dos 35 anos), por isso, é importante perceber no médio-longo prazo alterações na aptidão da espécie com o aquecimento global.
A modelação da distribuição atual e potencial do pinheiro-bravo usando metodologias Machine Learning revelou que a distribuição da espécie é determinada principalmente por variáveis relacionadas com a precipitação, embora as variáveis relacionadas com a elevação e a temperatura se tenham revelado importantes para diferenciar a produtividade da espécie.
Foi possível observar que Portugal Continental tem um alto potencial para esta espécie a partir dos mapas produzidos para o pinheiro-bravo. No entanto, antevê-se que em cenários futuros de alterações climáticas esse potencial possa diminuir e que ocorra uma recolocação de áreas de aptidão para o norte e para o litoral.
Esses mapas são essenciais para apoiar as recomendações na definição das áreas com melhor adequação para as espécies, no planeamento da florestação futura, para se obterem paisagens resistentes ao fogo, biodiversidade de ecossistemas florestais aprimorada, funcionalidade e produtividade em cenários de mudança climática.
BIBLIOGRAFIA
Alegria, C., Roque, N., Albuquerque, T., Gerassis, S., Fernandez, P., Ribeiro, M.M. (2020). Species Ecological Envelopes under Climate Change Scenarios: A Case Study for the Main Two Wood-Production Forest Species in Portugal. Forests, 11, 880. https://doi.org/10.3390/f11080880
Alegria, C., Roque, N., Albuquerque, T., Fernandez, P., Ribeiro, M.M. (2021). Modelling Maritime Pine (Pinus pinaster Aiton) Spatial Distribution and Productivity in Portugal: Tools for Forest Management. Forests, 12, 368. https://doi.org/10.3390/f12030368
Alegria, C.; Almeida, A.M.; Roque, N.; Fernandez, P.; Ribeiro, M.M. (2023). Species Distribution Modelling under Climate Change Scenarios for Maritime Pine (Pinus pinaster Aiton) in Portugal. Forests, 14, 591. https://doi.org/10.3390/f14030591