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Isolamento e identificação de fungos potencialmente patogénicos em pessegueiros da Cova da Beira
Elsa Baltazar1 e Joana Costa1,2
1Universidade de Coimbra, Centre for Functional Ecology — Science for People & the Planet, Laboratório Associado TERRA, Departamento de Ciências da Vida, Coimbra, Portugal; 2Instituto Pedro Nunes, Laboratório de Fitossanidade, Coimbra, Portugal
Os sistemas produtivos de Prunóideas desempenham um papel crucial no contexto da fruticultura nacional. Segundo dados de 2020, a produção nacional de cereja atingiu 9.241 toneladas (t), ameixa 19.184 t, pêssego e nectarina 34.795 t, amêndoa 31.610 t e damasco 3.220 t (INE, 2020). A região Centro de Portugal, nomeadamente a Cova da Beira, é conhecida por ser uma região produtora de Prunóideas, representando, no caso da cereja, cerca 50% da produção nacional e no caso do pêssego e nectarina, cerca de 53%.
Estes sistemas são suscetíveis a diversos agentes patogénicos que incluem bactérias, fungos e vírus (Figura 1), responsáveis por sintomatologia diversa com consequentes danos na planta e/ou fruto. A ocorrência, severidade e impacto das doenças depende de um conjunto diverso de fatores bióticos e abióticos, podendo comprometer a produtividade dos pomares. Estão descritas várias espécies de fungos, bactérias e vírus com capacidade de provocar doença, cuja patogenicidade varia dentro do género Prunus, sendo a suscetibilidade do hospedeiro um fator determinante.
Figura 1. Diferentes tipos de agentes patogénicos (fungos, bactérias e vírus) que podem afetar Prunóideas.
São vários os fungos descritos como patogénicos de Prunóideas, afetando diferentes partes da planta e/ou frutos, cujo impacto depende de diversas variáveis. Alguns afetam folhas, como é o caso do agente causal da Lepra (Taphrina deformans), o Crivado (Stigmina carpophila) e o Chumbado (Chondrostereumpurpureum). Outros afetam tronco e ramos, como é o caso do Cancro de fusicocum (Diaporthe amygdali) e a Gomose (Cytospora leucostoma). Afetando frutos podemos referir o Oídio (Podosphaera pannosa) e a Moniliose (complexo de espécies de Monilinia sp.) (Luz, 2014).
Na região da Cova da Beira, a produção de Prunóideas concentra-se em pomares de Prunus avium (cereja), Prunus persica (pessegueiro/nectarina) e mais recentemente, Prunus dulcis (amêndoa).
Algumas destas doenças já se encontram presentes nesta região há algum tempo, como é o caso do Cancro de Fusicocum, a Gomose, a Moniliose, a Lepra e o Oídio, com impacto na produção variável.
OBJETIVO
No âmbito do projeto CULTIVAR foi realizada uma prospeção das principais doenças fúngicas em pomares de pessegueiro com base na sintomatologia observada em campo, com o objetivo de identificar e caracterizar os agentes causais presentes na região e determinar o potencial impacto em termos de sanidade de sistemas produtivos com alta densidade de Prunóideas de diferentes espécies.
METODOLOGIA
Para o isolamento e identificação de fungos potencialmente patogénicos foi seguido o protocolo esquematizado na Figura 2. Brevemente, numa primeira etapa foram realizados inquéritos fitossanitários aos produtores com recolha de informação que permitisse caracterizar a exploração, nomeadamente sobre sintomatologia e ocorrência de doenças ao longo do tempo.
Seguiu-se uma inspeção aos pomares para observação e registo in loco de dados sobre sintomatologia com identificação dos órgãos da planta afetados e incidência. Dependendo da sintomatologia presente, foi recolhido material sintomático - amostragem, recorrendo sempre a tesouras e outro material esterilizado por forma a evitar a disseminação das doenças e contaminação entre amostras. A sintomatologia observada estava restrita à parte aérea das plantas pelo que o material recolhido foi madeira e ramos.
Figura 2. Esquema representativo das etapas entre a amostragem do material sintomático e a identificação do agente causal.
O material vegetal recolhido foi acondicionado no frio e levado rapidamente para o laboratório onde se realizou o processamento das amostras. Este procedimento varia consoante o tipo de material recolhido. Foi realizada uma primeira triagem tendo sido selecionada e seccionada a zona sintomática do material vegetal onde foram privilegiadas as zonas de interseção entra zona saudável e sintomática, pois serão os locais mais prováveis onde o agente patogénico em questão poderá estar viável. As partes secas dos ramos foram descartadas para minimizar o isolamento de fungos saprófitos (decompositores).
Procedeu-se à desinfeção dos pequenos segmentos utilizando uma solução de hipoclorito de sódio diluída, para eliminar a maioria dos organismos presentes na parte externa dos ramos. Posteriormente foram realizadas três lavagem com água destilada esterilizada em condições controladas (câmara de fluxo laminar vertical), seguindo-se o processo de secagem dos segmentos.
O material vegetal foi inoculado em placas de Petri contendo meio de cultura PDA, monitorizadas diariamente ao microscópio para observação morfológica das diferentes estruturas fúngicas em desenvolvimento a partir do material vegetal inoculado. Os primeiros dias após a inoculação são cruciais para a distinção das estruturas emergentes, que devido à velocidade de crescimento destes organismos rapidamente se sobrepõem, tornando difícil a tarefa de isolamento. Através de sucessivas repicagens apoiadas em observações morfológicas ao microscópio, foram isolados os diversos tipos coloniais detetados.
É possível identificar putativamente alguns grupos taxonómicos de fungos com base em caracteres morfológicos, mas para sua a correta identificação recorremos a métodos moleculares. O ADN total dos diversos isolados foi extraído a partir do micélio através de kits comerciais, seguindo-se a amplificação por Polymerase Chain Reaction (PCR) da região Internal Transcribed Spacer (ITS) convencionalmente utilizada para a identificação de fungos.
Neste procedimento foram utilizados os “primers” ITS1 (5′-TCCGTAGGTGAACCTGCG-3′) e ITS4 (5′-TCCTCCGCTTATTGATATGC-3′) desenvolvidos por White et al., (1990). Após o PCR foi realizada uma eletroforese em gel de agarose para avaliar o sucesso da amplificação do gene ITS, tendo posteriormente sido purificado a partir do produto de PCR e enviado para sequenciação de Sanger. Importa referir que para alguns grupos taxonómicos esta informação não é suficiente, sendo necessário recorrer a outros marcadores moleculares. A identificação dos microrganismos foi realizada por comparação com bases de dados públicas, como por exemplo National Center for Biotechnology Information (NCBI).
RESULTADOS
Em colaboração estreita com as Associações de produtores AAPIM e APIZÊZERE, foram realizados inquéritos aos produtores da região com recolha de informação relativa à composição dos pomares, histórico de doenças e sintomatologia. Foram sinalizados pomares a norte e a sul da Serra da Gardunha, no entanto o declínio mais acentuado foi verificado na região norte. A amostragem foi realizada na época da floração (março) e em plena época de crescimento vegetativo (maio). Foi observada sintomatologia diversa em campo que englobava cancros, exsudação excessiva de goma do tronco e ramos, presença de ramos secos, abortamento floral, presença de frutos mumificados presos às arvores, morte parcial e total de algumas plantas (Figura 3).
Figura 3. Sintomatologia apresentada na época da floração (março 2022) em pomares amostrados de P. persica.
Os pedaços de ramos sintomáticos recolhidos, foram processados sendo utilizadas as interseções representadas na Figura 4 para o posterior isolamento dos microrganismos.
Figura 4. Ramos sintomáticos antes do processamento, indicação da região de interseção analisada.
Durante o período de incubação as estruturas fúngicas cresceram de forma acelerada sobrepondo-se, sendo crucial a observação constante nos primeiros dias para obter diversidade no que toca aos microrganismos presentes (Figura 5B).
Figura 5. A. Secagem dos segmentos em condições controladas antes da inoculação, B. Segmentos de ramos sintomáticos inoculados em placas de Petri em meio de cultura e isolados resultantes da primeira repicagem.
Na Figura 6, está representado o gel de eletroforese obtido após amplificação do marcador molecular ITS em diferentes amostras, seguindo-se a sua sequenciação para posterior identificação.
Figura 6. Eletroforese em gel de agarose da amplificação por PCR do marcador molecular ITS.
Com base nos resultados obtidos da comparação das sequências do gene ITS com as bases de dados foi possível identificar os isolados nomeadamente M. fructicola, Alternaria alternata e Sordaria fimícola, responsáveis por diversas doenças que afetam principalmente folhas, flores e frutos. Foram também identificados organismos responsáveis por doenças que afetam maioritariamente a madeira (tronco e ramos), destacando-se o Cancro (Diaporthe amygdali), a Gomose (Cytospora leucostoma) e a Ferrugem (Neofusicoccum parvum). Por outro lado, foram isolados organismos com potencial antagonista de algumas destas doenças, nomeadamente Epicoccum nigrum.
Na Figura 7, e a título de exemplo, encontram-se fotografias de 12 isolados de fungos provenientes de ramos sintomáticos isolados nas campanhas de campo de 2021 e 2022.
Figura 7. Fungos isolados e identificados durante as campanhas de campo de 2021-2022, cultivados em meio de cultura PDA.
CONCLUSÃO
O conhecimento dos organismos nocivos presentes nos pomares permitirá às associações que apoiam os produtores, e os próprios produtores, a definirem estratégias para o setor de modo a mitigar o impacto destes agentes patogénicos nas culturas e adotar medidas para prevenir a sua introdução e/ou disseminação.
BIBLIOGRAFIA
INE (2021). Estatisticas Agricolas 2020. Instituto Nacional de Estatistica. Edição 2021. Available online: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=ine&xpgid=ine_publicacoes&publicacoespub_boui=437147278&publicacoestema=55505&publicacoesmodo=2 (accessed on 05 january 2023).
Luz, J. P. (2014). Peach, Cherry and Plum. In In Raymond A.T. George and Roland T.V. Fox (eds.) (Ed.), Diseases of Temperate Horticultural Plants. (pp. 104–133). CAB International.
White, T. J., Bruns, T., Lee, S., & Taylor, J. (1990). AMPLIFICATION AND DIRECT SEQUENCING OF FUNGAL RIBOSOMAL RNA GENES FOR PHYLOGENETICS. In PCR Protocols. https://doi.org/10.1016/b978-0-12-372180-8.50042-1