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CONTEÚDOS
SERVIÇOS DE POLINIZAÇÃO:
Como variam os serviços de polinização na paisagem?
Castro 2023
Serviços de polinização no tempo e no espaço
Siopa et al. 2023
SERVIÇOS DE POLINIZAÇÃO
Como variam os serviços de polinização na paisagem?
Sílvia Castro, Hugo Gaspar, Catarina Siopa, Sara Lopes, Anabela Paula, Diogo Martinho, Paula Castro, João Loureiro
FLOWer Lab, Centre for Funcional Ecology - Ecology – Science for People & the Planet, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
A polinização é um serviço dos ecossistemas dependente da biodiversidade. Sabemos que cerca de 90% das plantas silvestres com flor dependem, total ou parcialmente, de polinizadores para produzir descendência e manter as suas populações naturais, e que cerca de 75% das culturas agrícolas cultivadas pelo ser humano para alimentação dependem de polinizadores animais para a produtividade, não só em quantidade, mas também em qualidade (Potts et al. 2016). Adicionalmente, vários estudos desenvolvidos em diversas culturas agrícolas mostram que a quantidade e qualidade da produção agrícola está diretamente relacionada não só com a abundância de polinizadores (i.e., o número de polinizadores existentes na exploração agrícola), mas também com a diversidade de polinizadores (i.e., o número de espécies de polinizadores existentes na exploração agrícola) (Figura 1).
Figura 1. Relação entre produtividade agrícola e abundância e diversidade dos polinizadores.
Ao mesmo tempo, assistimos a um declínio da biodiversidade, incluindo os polinizadores (Potts et al. 2010), resultante de inúmeras ameaças e pressões ao nível global. Assim, a IUCN identifica que, na Europa, cerca de 1 em cada 3 espécies de abelhas e borboletas está em declínio populacional, e que 1 em cada 10 espécies de abelhas e borboletas está em risco de extinção. Consequentemente, a perda e diminuição das populações dos polinizadores conduzirão a perdas significativas na reprodução e produção das plantas silvestres e culturas agrícolas (Figura 2) colocando em risco a manutenção dos ecossistemas terrestres e a sustentabilidade agrícola.
Entre as principais ameaças aos polinizadores podem ser destacadas: 1) a transformação da paisagem com perda e fragmentação de habitats naturais e seminaturais e a simplificação da paisagem com sistemas intensivos e super-intensivos de monoculturas em grandes extensões; 2) o uso inadequado de agroquímicos; 3) as invasões biológicas que contribuem para a homogeneização da paisagem (nomeadamente a invasão por plantas exóticas) ou para a competição e predação entre animais; e 4) as alterações climáticas por mudanças drásticas nos padrões fenológicos dos polinizadores e das plantas das quais se alimentam conduzindo a desfasamentos temporais nas suas fenologias ou a modificações insustentáveis nas suas distribuições (Potts et al. 2016).
Figura 2. Exemplos de polinizadores em plantas silvestres e culturas agrícolas.
IMPACTO DO USO DO SOLO NA COMUNIDADE DE POLINIZADORES
A agricultura moderna enfrenta uma pressão constante para aumentar a produção, levando muitas vezes à adoção de práticas de gestão intensiva e ao aumento da conversão de terras para uso agrícola (Bommarco et al. 2013). As principais ameaças aos polinizadores em paisagens agrícolas, como mencionado acima, incluem alterações no uso da paisagem que causam fragmentação, perda e simplificação de habitats e o uso inadequado de agroquímicos. Para superar o declínio dos polinizadores causado por estas ameaça é crucial desenvolver práticas sustentáveis, quer à escala local (i.e., práticas de gestão da exploração agrícola), quer à escala da paisagem (i.e., envolvente da exploração agrícola) de forma a promover as comunidades polinizadoras e potenciar a polinização das culturas agrícolas (Garibaldi et al. 2014; Gaspar et al. 2022). Para a manutenção de comunidades de polinizadores é necessária a existência de diversidade de recursos alimentares, disponíveis nas plantas com flor da vegetação natural (gerida de forma adequada), e de locais de nidificação e suporte, que podem incluir zonas inutilizáveis que incluam também outras estruturas como solo exposto, troncos de madeira, aglomerados rochosos (incluindo muros), taludes, valas e árvores.
À escala local, os recursos alimentares e os locais de nidificação e suporte são direta e indiretamente afetados pelas práticas de gestão dentro e nas imediações da exploração agrícola. Por exemplo, o corte desadequado da vegetação subespontânea ou aplicação de herbicidas diminuem a disponibilidade de alimento para os polinizadores. A abundância e riqueza de recursos alimentares e de nidificação e suporte nos campos agrícolas têm sido positivamente relacionadas com a riqueza e abundância de insetos polinizadores nesses mesmos locais (Holzschuh et al. 2007; Potts et al. 2005) (Figura 3). Assim, as medidas de promoção de recursos alimentares para os polinizadores promovem este grupo funcional e os serviços de polinização às culturas agrícolas (Mota et al. 2022). Adicionalmente, à escala da paisagem, a proximidade e a abundância de habitats seminaturais, pastagens e florestas têm sido positivamente relacionadas com comunidades polinizadoras diversas e abundantes (e.g., Holzschuh et al. 2012; Morandin e Winston 2005; Somme et al. 2014). Em contraste, a intensificação do uso da terra através do aumento da área cultivada e do aumento do isolamento das culturas, tem um impacto negativo nas comunidades de insetos polinizadores disponíveis para as culturas (e.g., Connelly et al. 2015; Ricketts et al. 2008).
Figura 3. Padrão geral do impacto da gestão local e da paisagem na comunidade de polinizadores.
Neste cenário, a avaliação dos serviços dos ecossistemas em geral, e dos serviços de polinização em particular, podem ser utilizadas para otimizar os investimentos na agricultura e na conservação, estruturar o planeamento da paisagem e desenhar instrumentos políticos para sustentar e promover os serviços de polinização.
USO DO SOLO E AS COMUNIDADES DE POLINIZADORES NA REGIÃO CENTRO INTERIOR
De acordo com a Carta de Uso e Ocupação do Solo de 2018, a área de estudo do projeto CULTIVAR apresenta uma forte composição do setor agrícola, com as áreas agrícolas a corresponder a uma percentagem de ocupação de 31% do território. Estas áreas estão dispostas num mosaico diversificado de usos do solo e diversidade de culturas agrícolas dependentes de polinizadores para a produção, de onde se destaca a cultura da cereja e maçã, e a emergente cultura da amêndoa.
Neste trabalho, pretendemos avaliar a diversidade e abundância de polinizadores e mapear os serviços de polinização na região da Beira Interior, uma importante região de produção de culturas essenciais em Portugal. Para isso, quantificámos a diversidade e abundância de insetos polinizadores nas tipologias de uso do solo mais representativas da região, num total de 11 tipologias, incluindo: pastagens anuais, pastagens permanentes, matos, pomares, olivais, carvalhais, pinhais, eucaliptais, acaciais, linhas de água e mosaicos agrícolas (Figura 4). Cada tipologia foi replicada em três unidades da paisagem representativas da região, incluindo as regiões de Castelo Branco-Penamacor-Idanha, Cova da Beira e Planalto da Beira Transmontana, num total de 33 pontos de amostragem.
Figura 4. Exemplos de diferentes usos e ocupação do solo na Região Centro Interior.
A comunidade de polinizadores foi amostrada através de redes entomológicas por períodos constantes pré-definidos no pico de atividade dos insetos polinizadores. Cada local de estudo foi caracterizado quanto à diversidade e abundância de recursos alimentares para os polinizadores através de levantamentos florísticos e quantificação de flores utilizando o método do quadrado. Por último, cada local de estudo foi também caracterizado quanto à disponibilidade de recursos de nidificação para insetos polinizadores. Os recursos florísticos foram identificados segundo a Flora Ibérica (Castroviejo 2012), recorrendo à colheita de espécimes vegetais, quando necessário. Os insetos recolhidos foram incluídos na coleção do FLOWer Lab, sendo por último identificados recorrendo a chaves de identificação disponíveis e, pontualmente, recorrendo a especialistas de determinados géneros. Após o processamento e identificação dos polinizadores, todas as tipologias foram classificadas de acordo com a abundância e diversidade (riqueza de espécies) de polinizadores e mapeadas com base no COS2018 com software GIS.
Os resultados preliminares mostram que a diversidade e abundância de polinizadores diferiu significativamente entre diferentes unidades de paisagem e entre as diferentes tipologias de uso do solo. Os valores maiores foram obtidos nos mosaicos agrícolas e nas pastagens anuais, seguidas das pastagens permanentes, olivais tradicionais e matos (Figura 5). As tipologias com menores diversidades e abundâncias de polinizadores revelaram ser as tipologias com práticas de gestão mais invasivas e monoculturas, como os eucaliptais e pinhais, e por último os locais invadidos por espécies exóticas de plantas, em particular os acaciais (Figura 5).
Figura 5. Diversidade de abundância de polinizadores (abelhas, sirfídeos e borboletas) nas principais tipologias de uso e ocupação do solo na Região Centro Interior.
Entre as principais ameaças, destacamos a degradação da paisagem, incluindo a perda e fragmentação de habitats naturais e seminaturais, a simplificação da paisagem através do aumento dos sistemas de monocultura, intensiva ou não, em áreas grandes e contínuas, e as invasões biológicas, como já observado em estudos anteriores (Bommarco et al. 2013). Além disso, identificamos práticas de gestão e tipos de uso e cobertura do solo que promovem a diversidade de polinizadores na paisagem, incluindo usos culturais tradicionais da terra e agricultura de pequena escala, resultando em diversos mosaicos de tipos de uso e cobertura do solo misturados com áreas seminaturais (Figura 6).
Figura 6. Mapeamento da abundância e diversidade de polinizadores Região Centro Interior através da Carta de uso e ocupação do solo.
Estes resultados são ferramentas importantes para as partes interessadas no sector da produção agrícola desenharem medidas de gestão sustentáveis para os agroecossistemas que sejam económica e ecologicamente produtivas e tenham potencial para serem utilizados pelos decisores políticos para apoiar a tomada de decisões.
BIBLIOGRAFIA
Bommarco, R., Kleijn, D., Potts, S.G., 2013. Ecological intensification: Harnessing ecosystem services for food security. Trends Ecol. Evol. 28, 230–238. https://doi.org/10.1016/j.tree.2012.10.012
Castroviejo, S. (coord. gen.). 1986-2012. Flora iberica 1-8, 10-15, 17-18, 21. Real Jardín Botánico, CSIC, Madrid.
Connelly, H., Poveda, K., Loeb, G., 2015. Landscape simplification decreases wild bee pollination services to strawberry. Agric. Ecosyst. Environ. 211, 51–56. https://doi.org/10.1016/j.agee.2015.05.004
Garibaldi, L.A., Carvalheiro, L.G., Leonhardt, S.D., Aizen, M.A., Blaauw, B.R., Isaacs, R., Kuhlmann, M., Kleijn, D., Klein, A.M., Kremen, C. and Morandin, L., 2014. From research to action: enhancing crop yield through wild pollinators. Frontiers in Ecology and the Environment, 12(8), pp.439-447.
Gaspar, H., Loureiro, J., Castro, H., Siopa, C., Castro, M., Casais, V. and Castro, S., 2022. Impact of local practices and landscape on the diversity and abundance of pollinators in an insect-dependent crop. Agriculture, Ecosystems & Environment, 326, p.107804.
Holzschuh, A., Steffan-Dewenter, I., Kleijn, D., Tscharntke, T., 2007. Diversity of flower-visiting bees in cereal fields: Effects of farming system, landscape composition and regional context. J. Appl. Ecol. 44, 41–49. https://doi.org/10.1111/j.1365-2664.2006.01259.x
Holzschuh, A., Dudenhöffer, J.H., Tscharntke, T., 2012. Landscapes with wild bee habitats enhance pollination, fruit set and yield of sweet cherry. Biol. Conserv. 153, 101–107. https://doi.org/10.1016/j.biocon.2012.04.032
Morandin, L.A., Winston, M.L., 2005. Wild bee abundance and seed production in conventional, organic, and genetically modified canola. Ecol. Appl. 15, 871–881. https://doi.org/10.1890/03-5271
Mota, L., Hevia, V., Rad, C., Alves, J., Silva, A., González, J.A., Ortega‐Marcos, J., Aguado, O., Alcorlo, P., Azcárate, F.M. and Chapinal, L., 2022. Flower strips and remnant semi‐natural vegetation have different impacts on pollination and productivity of sunflower crops. Journal of Applied Ecology, 59(9), pp.2386-2397.
Potts, S.G., Vulliamy, B., Roberts, S., 2005. Role of nesting resources in organising diverse bee communities in a Mediterranean landscape. Ecol. Entomol. 30, 78–85.
Potts, S.G., Biesmeijer, J.C., Kremen, C., Neumann, P., Schweiger, O., Kunin, W.E., 2010. Global pollinator declines: Trends, impacts and drivers. Trends Ecol. Evol. 25, 345–353. https://doi.org/10.1016/j.tree.2010.01.007
Potts, S.G., Imperatriz-Fonseca, V., Ngo, H.T., Aizen, M.A., Biesmeijer, J.C., Breeze, T.D., Dicks, L.V., Garibaldi, L.A., Hill, R., Settele, J. and Vanbergen, A.J., 2016. Safeguarding pollinators and their values to human well-being. Nature, 540(7632), pp.220-229.
Ricketts, T.H., Regetz, J., Steffan-Dewenter, I., Cunningham, S.A., Kremen, C., Bogdanski, A., Gemmill-Herren, B., Greenleaf, S.S., Klein, A.M., Mayfield, M.M., Morandin, L.A., Ochieng’, A., Viana, B.F., 2008. Landscape effects on crop pollination services: Are there general patterns? Ecol. Lett. 11, 499–515.
Somme, L., Mayer, C., Jacquemart, A.L., 2014. Multilevel spatial structure impacts on the pollination services of Comarum palustre (Rosaceae). PLoS One 9. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0099295
Serviços de polinização no tempo e no espaço
Catarina Siopa, Sara Lopes, Hugo Gaspar, João Loureiro, Sílvia Castro
FLOWer Lab, Centre for Funcional Ecology - Ecology – Science for People & the Planet, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
A cereja, um dos principais produtos agrícolas na região do Fundão, distrito de Castelo Branco, é uma cultura com alta dependência de serviços de polinização.
No âmbito do Doutoramento de Catarina Siopa, por forma a identificar e quantificar as limitações reprodutivas da cultura e estudar o impacto dos serviços de polinização em agroecossistemas da região, foi realizado, durante o ano de 2021, a monitorização das comunidades de plantas e seus polinizadores num agroecossistema com exploração de Prunóideas (Figura 1).
Figura 1. Representação das metodologias aplicadas no estudo realizado: técnica do quadrado, para levantamento das comunidades de plantas; técnica de captura com rede entomológica para levantamento das comunidades polinizadoras; observação da interação planta-polinizador em cereja.
Para estudar estas comunidades, fez-se o acompanhamento de 12 tipologias de habitat representativas da região, em torno um pomar de Prunóideas (Figura 2). Este trabalho ocorreu ao longo de 12 meses e correspondeu a mais de 500 horas de amostragem.
Figura 2. Representação gráfica dos habitats amostrados durante 12 meses.
Realizou-se o levantamento das comunidades de plantas, com mais de 260 espécies de plantas observadas em floração ao longo dos diferentes meses de acompanhamento (Figura 3). As espécies observadas pertencem a um total de 54 famílias de plantas distintas.
Figura 3. Variação das comunidades de plantas ao longo dos 12 meses de estudo. Valores médios (entre os 12 habitats estudados) da abundância e diversidade total observadas, ao longo dos 12 meses. Número total de espécies de plantas observadas e valor médio de abundância (em unidades florais por metro quadrado). Número total de famílias de plantas observadas.
Para a determinação das comunidades polinizadoras foram aplicados dois métodos de amostragem, por forma a obter índices de diversidade e abundância. Foram observadas mais de 350 espécies polinizadoras, das quais 235 representam espécies de abelhas. Os levantamentos destas espécies de abelhas selvagens resultaram em centenas de novos registos regionais e nacionais, e um novo registo para a ciência (Figura 4).
Figura 4. Variação das comunidades polinizadoras ao longo dos 12 meses de estudo. Valores médios (entre os 12 habitats estudados) da abundância e diversidade total observadas, ao longo dos 12 meses.
Observaram-se diferenças consideráveis nas comunidades de plantas e insetos entre habitats, numa tradução da qualidade e gestão dos habitats e mostrando o importante papel destes na manutenção dos serviços de polinização para a cultura da cereja.