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CONTEÚDOS
Lavandula spp. secção Stoechas: contribuição para a sua identificação na região da Beira Interior
Domingues et al. 2023
Lavandula spp. secção Stoechas: contribuição para a sua identificação na região da Beira Interior
Joana Domingues1, Fernanda Delgado1, Tatiana Diamantino1 Maria Margarida Ribeiro1
1Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior (CBPBI); 2Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB), Escola Superior Agrária (ESACB), 3Centro de Estudos Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS-IPCB).
Em Portugal e especificamente na região da Beira Interior (BI), dominam o rosmaninho-maior (Lavandula pedunculata) e o rosmaninho-menor (Lavandula stoechas subsp. luisieri e/ou a subsp. stoechas). No entanto, existem algumas antinomias entre as subespécies luisieri e stoechas. Segundo a Flora Ibérica (Castroviejo, 1986-2012), o último referencial publicado sobre o género, os taxa L. pedunculata e L. stoechas subsp. stoechas estão descritas para a região da BI (Morales, 2010). Os autores Upson & Andrews (2004) referem a existência da L. stoechas subsp. luisieri na região da BI. Franco (1984) refere na “Nova Flora de Portugal” a não existência da L. stoechas em Portugal Continental e que a L. luisieri seria o rosmaninho-menor.
As espécies do género Lavandula da secção Stoechas são autóctones em Portugal e exibem polimorfismo e potencial de hibridação elevados. São consideradas plantas aromáticas e medicinais, devido não só à produção de óleos essenciais, mas também às suas propriedades terapêuticas reportadas na medicina tradicional. Produzem constituintes químicos comuns de interesse económico, mas existem substâncias exclusivas nalgumas espécies. A taxonomia de certas espécies tem vindo a ser atualizada, considerando a literatura crescente produzida a nível químico e genético, que têm permitido desambiguar as relações taxonómicas entre espécies e subespécies. A classificação morfológica é um ponto de partida, pois permite criar grupos distintos de indivíduos a partir de características visíveis. O elevado polimorfismo característico do género e a hibridação prevalente entre as espécies e subespécies pode criar ambiguidades nos grupos formados a partir da identificação morfológica, mesmo que estes sejam muito exaustivos.
Na Figura 1 apresentam-se alguns dos principais parâmetros morfológicos usados para distinguir os taxa L. pedunculata, L. stoechas subsp. stoechas e L. stoechas subsp. luisieri.
Figura 1. Aspetos morfológicos das espécies L. pedunculata, L. stoechas subsp. stoechas e L. stoechas subsp. luisieri.
O óleo essencial de L. stoechas subsp. luisieri é distinto do ponto de vista químico do óleo de L. pedunculata. O primeiro distingue-se da maioria de outros produzido pelas plantas devido à presença de compostos derivados de necrodanos, apenas encontrados no Reino Animal, na secreção de um inseto coleóptero (Necrodes surinamensis) (Eisner & Meinwald, 1982) e, recentemente, no óleo essencial de Evolvulus alsinoides L (Kashima & Miyazawa, 2014). Os estudos que reportam as capacidades antimicrobianas, anti-inflamatórias e anticancerígenas das espécies de Lavandula, indicam a L. stoechas subsp. luisieri como apresentando os resultados mais eficazes nas atividades biológicas testadas, devido à sua composição química particular (Matos et al. 2009; Domingues et al. 2023a; Zuzarte et al., 2022).
Os compostos maioritários no óleo essencial de L. pedunculata são a fenchona, cânfora, 1,8-cineol e α-pineno; em L. stoechas subsp. stoechas são reportados a fenchona, cânfora, 1,8-cineol, pulegona e mentol; no óleo essencial de L. stoechas subsp. luisieri os compostos maioritários são o acetato de trans-α-necrodilo, trans-α-necrodol, 1,8-cineol e cânfora (Domingues et al., 2023b) (Figura 2).
Figura 2. Compostos maioritários do óleo essencial de L. pedunculata, L. stoechas subsp. stoechas e L. stoechas subsp. luisieri.
METODOLOGIA E RESULTADOS
Este estudo teve como base a recolha de exemplares de plantas em diferentes locais da Beira Interior (Tabela 1) após a observação morfológica in situ.
Tabela 1. Identificação dos locais de recolha das diferentes populações de Lavandula spp.
Parâmetros morfológicos
A identificação e classificação das espécies baseou-se na compilação da informação a partir da Flora Europaea (Guinea, 1972), Flora de Portugal (Coutinho, 1974), Nova Flora de Portugal (Franco, 1984), Flora Vascular de Andalucía Occidental (Valdés et al., 1987), The genus Lavandula (Upson & Andrews, 2004) e o capítulo Lavandula da Flora Ibérica (Morales, 2010). Os espécimes recolhidos na BI foram descritos e identificados tendo em conta os referenciais morfológicos referidos, de acordo com as boas práticas de agricultura e colheita (WHO, 2003).
Foram recolhidos 120 exemplares dos três taxa referidos existentes na BI, em oito populações localizadas nos concelhos de Penamacor, Oleiros, Vila Velha de Ródão, Proença-a-Nova, Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Ocreza e Vila de Rei. Cada espécime foi herborizado, atribuído um código de herbário e avaliado do ponto de vista morfológico, com base nas floras referidas e em parâmetros morfológicos selecionados como diferenciadores entre as espécies/subespécies em causa.
Caracterização morfológica
Foram selecionados 11 parâmetros potencialmente diferenciadores entre os taxa em estudo com base nos referenciais morfológicos usados. Foram anotados, para cada espécime, o comprimento do pedúnculo, a dimensão da inflorescência, a relação pedúnculo vs. inflorescência, o comprimento das brácteas estéreis, a relação bráctea fértil vs. cálice, a dimensão da bráctea fértil, a forma da bráctea fértil, o indumento das folhas, a dimensão das folhas axilares, a similaridade das folhas axilares e o indumento do cálice. Foram verificadas as diferenças significativas entre as médias das populações, para os parâmetros medidos, através da análise de variância (ANOVA) (Tabela 2). Para os três parâmetros em que as diferenças entre as médias foram significativas foi feito o teste de comparação de médias Duncan e para p<0.05 as diferenças foram consideradas significativas.
O comprimento das brácteas estéreis nas populações de L. stoechas subsp. luisieri é geralmente superior a 2 cm, no entanto existe sobreposição de valores em todas as populações, atendendo ao valor da variância, o que não diferencia os 3 taxa, só MC (luisieri) é significativamente superior a VR (stoechas), O (pedunculata) e VV (luisieri). De acordo com os resultados as populações de VV, O, VR, CB e OL apresentam valores abaixo de 2 cm, o que inclui a população de L. pedunculata, a qual também é descrita pelo comprimento destas brácteas ser, em geral, superior a 2 cm.
Tabela 2. Parâmetros com diferenças significativas entre médias (± desvio padrão). c=comprimento das brácteas estéreis (cm); l=largura da inflorescência (cm), cp=comprimento do pedúnculo (cm); ci=comprimento da inflorescência (cm).
A população PN (L. luisieri) é significativamente diferente das restantes populações para o parâmetro comprimento vs. largura da inflorescência (c x l) (Tabela 2). No caso do parâmetro comprimento do pedúnculo vs. comprimento da inflorescência (cp x ci), a população de L. pedunculata (O) diferencia-se significativamente das restantes, como era expectável, devido aos comprimentos elevados dos pedúnculos. A população VV (L. luisieri) tem um valor médio de 2,3, superior ao das outras populações, que não a L. pedunculata.
Óleos essenciais
O óleo essencial das partes aéreas de cada planta foi obtido por hidrodestilação, seguindo as normas da Farmacopeia Europeia (Council of Europe, 2016). A amostra do óleo essencial foi previamente diluída com um solvente orgânico e injetada (1 µL) no equipamento (BRUKER SCION 456-GC-MS), no qual se utilizou um split de 1:100. A identificação dos compostos foi baseada na comparação dos espetros de massa com os espetros de massa da biblioteca NIST incluída no software do equipamento. A quantidade relativa de cada composto foi expressa em percentagem da área relativa do pico do composto relativamente à área total dos picos identificados da amostra.
Presença de necrodanos
A presença de necrodanos no óleo essencial, em particular o acetato de trans-α-necrodilo, que surge como composto maioritário, podem ser considerados marcadores quimiotaxonómico da L. stoechas subsp. luisieri. Na Figura 3 estão apresentados os resultados para a pesquisa e identificação de compostos de necrodano no óleo essencial de cada planta. De acordo com os resultados, a população de L. pedunculata não revelou a presença deste composto. A população mais uniforme no teor destes compostos foi a de PG com valores médios próximos de 35%, a produção média deste composto não é distinta estatisticamente do das restantes populações, exceto a população de VV onde se verificou um valor médio muito baixo (~ 5%) para além de uma grande variação do teor deste composto, de 5% a 35%. Na população MC também se verificou uma elevada variação de valores na produção individual de cada planta. Estes dados podem indicar um elevado polimorfismo nestas populações ou até fenómenos de hibridação.
Figura 3. Percentagem relativa de acetato de trans-α-necrodilo nas populações de Lavandula spp.
Análise molecular
O DNA foi extraído a partir de 100 mg de folhas de cada planta, aplicando o kit Isolate II Plant DNA (Bioline, London, United Kingdom). A genotipagem de cada indivíduo foi feita após a amplificação do DNA por PCR, com seis microssatélites nucleares (nuSSR) obtidos em Lavandula spp. (Adal et al. 2015). A separação de fragmentos foi assegurada num ABI 3130 Genetic Analyzer (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA) e a análise de fragmentos foi realizada no software GeneMapper 4.0 (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA).
Diversidade genética
As populações de CB e PG (L.luisieri) têm os parâmetros de diversidades genética mais elevados, observada (Ho) e esperada (He) e o número médio de alelos, embora só estejam representadas por 10 indivíduos (He=0,82 e 0,85, respetivamente). A população O (L. pedunculata) é a menos diversa (He=0,65), mas tem excesso de heterozigóticos (Ho maior que He). A população OL detém o maior número médio de alelos privados (NP=1,67). A população VV é a população menos diversa da subsp. luisieri e com deficiência de heterozigóticos, possivelmente por consanguinidade, talvez biparental, visto o coeficiente de endogamia ser muito elevado (Fis=0.35). No geral, os parâmetros genéticos das populações indicam que não existe desvio no EHW (Equilíbrio de Hardy-Weinberg), pois o coeficiente de endogamia médio (2%, ainda que não significativamente diferente de 0) é muito baixo. Além disso, as populações apresentam um valor elevado de alelos privados (0,98) e todas as populações têm alelos privados.
A Figura 4 apresenta o resultado gráfico da análise de variância molecular, AMOVA. Existe uma diferenciação genética entre populações apreciável, pois 18% da variação é devida à diferença entre populações, o que pode indicar que o fluxo genético é reduzido entre elas.
Figura 4. Percentagens de variação molecular dentro e entre as populações de Lavandula spp.
A Figura 5 representa graficamente a Análise de Componentes Principais (PCA) das populações estudadas baseada na matriz de distâncias genéticas de Nei. As duas componentes explicam 84% da variância. De forma geral todas as populações estão distantes umas das outras, o que reflete a elevada diferenciação genética. A PCA indica a formação de dois grupos. Destacando-se a elevada proximidade das populações CB e PG, e a notável separação de MC, e VV. No segundo grupo, verifica-se uma maior relação entre as populações de VR e PN, e mais distante, mas ainda próxima relação entre a população de O com a OL.
A população O (L. pedunculata) está desviada de todas as outras, isolada no quadrante esquerdo inferior, sendo a população mais próxima a OL. A população VR recolhida como sendo subsp. stoechas surge no grupo de PN e OL (L. luisieri), também existe proximidade em termos geográficos, no entanto poderá indicar que se trata da subsp. luisieri e que a identificação morfológica não foi suficientemente discriminante. Outro aspeto que não podemos descurar é a possível hibridação entre os diferentes taxa deste género. A hibridação entre taxa simpátricos poderá causar dificuldade em distinguir os taxa do ponto de vista morfológico. A população VV estar agrupada com as populações MC, CB e PG, posicionados do lado direito do gráfico, surge isolada no quadrante direito inferior, o que poderá indicar que se trata de uma população mais degradada, confirmada por uma diversidade genética mais baixa. O agrupamento destas populações de L. stoechas subsp. luisieri pode também estar relacionado com a proximidade geográfica entre as populações. Podemos inferir as mesmas conclusões para o grupo PN, VR e OL.
Figura 5. Análise de componentes principais (PCA).
CONCLUSÃO
A maioria dos parâmetros morfológicos usados não foram úteis para discriminar entre os taxa estudados. A possível hibridação e a existência de uma elevada diversidade genética intra-populacional podem ter diminuído o potencial de discriminação dos marcadores morfológicos, que associados à influência ambiental e às pequenas diferenças entre parâmetros de discriminação usados, com exceção do tamanho do pedúnculo, indicam ser a análise morfológica externa insuficiente para distinguir ao nível da subespécie. Para a distinção de taxa do género Lavandula devem ser considerados outro tipo de análises, como a análise dos constituintes químicos e estudos genéticos, mas também referenciais biogeográficos. Apenas a população O (L. pedunculata) não apresentou nenhum composto derivado de necrodano: o acetato de trans-α-necrodilo. A população identificada como L. stoechas subsp. stoechas (VR) apresentou compostos derivados de necrodanos, com teores relativamente elevado no seu óleo essencial. As identificações posteriores da subespécie com os parâmetros selecionados indicam também que a população inicialmente identificada com subespécie stoechas, deverá ser a subespécie luisieri. Em relação à análise genética, os resultados estatísticos demonstram que existe uma elevada diversidade genética dentro das populações e uma diferenciação genética apreciável entre populações, o que poderá indicar o tipo de reprodução nestas espécies, fecundação cruzada e dispersão de sementes pelo vento. Todas as populações têm alelos privados e apreciável diferenciação genética (18%), indicando um, no entanto um limitado fluxo genético entre as populações. Na Análise de Componentes Principais, pode-se definir dois grupos de populações de L. stoechas, sendo que a população O se encontra mais isolada do seu grupo, o mesmo se verificou na população de VV. A possibilidade de hibridação entre espécies e subespécies também pode influenciar as relações genéticas encontradas, sendo por isso um trabalho futuro a ser aplicado nestas populações.
Com este trabalho poderemos indicar que na Região da Beira Interior existem os taxa Lavandula pedunculata e Lavandula stoechas subsp. luisieri e não foram encontrados exemplares de Lavandula stoechas subsp. stoechas, pelo que, um estudo mais alargado deverá ser efetuado para confirmar, ou não, a existência desta última subespécie nesta região.
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