Por favor aguarde um momento.
Cancro bacteriano das prunóideas (Complexo de patovares de Pseudomonas syringae e Pseudomonas amygdali)
Eva Garcia, Daniela Figueira, Carlote Santos e Sara Rodrigues
Instituto Pedro Nunes, Laboratório de Fitossanidade, Coimbra, Portugal
O cancro bacteriano é uma doença provocada por um complexo de patovares das espécies Pseudomonas syringae (Ps)e P. amygdali (Pa) que afeta mais de 180 espécies de plantas globalmente (Berge et al., 2014). De entre este complexo, P. syringae pv. syringae, P. syringae pv. persicae e P. amygdali pv. morsprunorum são as que causam maior preocupação em hospedeiros do género Prunus, como é o caso da cerejeira, ginjeira, pessegueiro e amendoeira (Luz, 2018). Estes agentes patogénicos podem coexistir no campo o que dificulta a sua deteção e, consequentemente, o seu controlo. Este controlo é ainda mais desafiante dado que a eficácia dos fitofármacos e a resistência do hospedeiro podem variar (Hulin et al., 2020).
Figura 1. Distribuição geográfica de Pseudomonas syringae (CABI, PlantwisePlus Knowledge Bank. Acedido online, 09/02/2023).
Globalmente, o impacto da doença é elevado, sendo que em cerejeira e pessegueiro as perdas de produção podem ser superiores a 60%, representando um forte constrangimento económico. Em alguns casos pode mesmo causar a morte dos hospedeiros mais suscetíveis.
Na região da Beira Interior, o cancro bacteriano atinge, em média, 13% das plantas em pomares de pessegueiro, não tendo sido detetada a presença deste complexo de espécies em apenas 30% dos pomares. Em termos de severidade, estima-se que seja elevada em 13% dos pomares, não tendo sido, no entanto, estabelecida uma relação entre a localização orográfica, exposição solar e incidência do cancro bacteriano (Simões, 2022).
SINTOMATOLOGIA
A infeção causada por este complexo de espécies pode provocar no hospedeiro diferentes sintomas, maioritariamente observados em folhas, frutos e ramos.
Nas folhas, observam-se pequenas manchas de forma circular, com halo clorótico, que podem formar, ao longo do tempo, necroses de maior dimensão, ficando a folha coberta de pequenas perfurações, provocando um sintoma de crivado (Luz, 2014). Pode ainda observar-se clorose e emurchecimento.
Nos frutos, observam-se manchas com forma arredondada, que podem evoluir, causando necrose parcial ou total do fruto. O fruto pode cair antecipadamente ou permanecer mumificado na árvore (INIAV, 2019).
No ritidoma, as lesões podem ser detetadas pela alteração de cor para castanho-avermelhada, e pela exsudação abundante de uma goma cor de âmbar. Nos ramos os sintomas apresentam-se como pequenos cancros e gomoses que, eventualmente, podem levar à dessecação das flores e folhas. Quando os cancros evoluem, podem circundar os ramos e troncos (dieback) e causar a morte do hospedeiro (Luz, 2018).
Figura 2. Sintomas característicos da infeção por Pseudomonas syringae em Prunus. a. Manchas foliares de forma circular com um halo amarelo (Hulin et al., 2020); b. Formação de cancros húmidos em ramos (CABI, PlantwisePlus); c. Necrose parcial dos frutos em desenvolvimento (CABI, PlantwisePlus); d. Gomoses de cor âmbar exsudadas de tronco e ramos (Simões, 2022).
EPIDEMIOLOGIA
O ciclo epidemiológico do cancro bacteriano pode ser divido em duas fases: fase epífita – em que a bactéria se multiplica na superfície das folhas e flores e constitui o inóculo de novas infeções, e a fase endófita – em que ocorre colonização sistémica (Kennelly et al., 2007).
Na primavera, o complexo de patovares das espécies P. syringae e P. amygdali desenvolve-se epifiticamente, em rebentos e folhas assintomáticas, originando os primeiros sinais da infeção (Simões, 2022). O agente patogénico entra na planta através de feridas expostas, que estão associadas a podas e/ou geadas intensas, e progride no seu interior de forma sistémica. Nesta fase, os gomos podem não abrolhar, ou se iniciam o abrolhamento, murcham e morrem de seguida; pode também ocorre abortamento floral, permitindo a dispersão da bactéria para o interior dos ramos (Luz, 2018).
No início do verão, formam-se manchas em folhas e frutos, que podem rapidamente necrosar em condições de elevada humidade relativa (Kennelly et al. 2007).
No outono, tal como em grande parte das bacterioses, o tempo húmido favorece a migração das bactérias que se colonizam para novos locais através de aberturas como as zonas de inserção e zonas de cicatriz que ocorrem após a queda das folhas, colheita dos frutos ou resultados de podas (Luz, 2018). Neste período inicia-se a formação de cancros.
Durante o inverno, no repouso vegetativo, as bactérias têm a capacidade de sobreviver em cancros e em gomos foliares mortos, mas também em gomos aparentemente saudáveis (Kennedy et al., 2007).
No ano seguinte, com o regresso da primavera, os cancros desenvolvem-se rapidamente (a par com a fase de crescimento vegetativo), atingindo ramos maiores e o tronco, circundando-os, podendo provocar a morte de ramos ou até do hospedeiro (Luz, 2018). Este desenvolvimento é acompanhado pela exsudação de goma de cor âmbar.
Figura 3. Ciclo epidemiológico do complexo de espécies causador do cancro bacteriano das Prunóideas (Adaptado de Kennelly et al. 2007).
MITIGAÇÃO E CONTROLO
Quando o complexo de espécies responsável pelo cancro bacteriano das Prunóideas é detetado, toda a produção fica em risco, e muitas árvores podem ter de ser eliminadas ou podadas. Não estão disponíveis, à data, meios de controlo eficazes para esta doença. No entanto, algumas medidas fitossanitárias podem ser implementadas que permitam a gestão da doença.
São exemplos a utilização de podas e tratamentos preventivos (utilizando alfaias agrícolas/materiais desinfetados, preferencialmente entre cada árvore), a destruição de plantas infetadas e contíguas nos locais afetados (mesmo que assintomáticas), eliminação do remanescente da poda, etc., (INIAV, 2019).
Em paralelo, é fundamental a aplicação de tratamentos bacteriostáticos cúpricos após eventos que possam potenciar a disseminação da bactéria, como por exemplo, após períodos de chuva durante a queda da folha, queda de granizo e podas sanitárias. Estes tratamentos dependem das condições climatéricas do ano, e necessitam, na maior dos casos, de mais do que uma aplicação (Simões, 2022).
A gestão fitossanitária do pomar deve incluir, sempre que necessário, a utilização de material de propagação limpo, sendo que para tal será necessário solicitar a realização de análises para a deteção deste complexo bacteriano.
Na implementação de novos pomares é fundamental, em termos fitossanitários: avaliar o terreno para uma correta drenagem de água, avaliar fatores como a exposição solar, ventos dominantes, humidade relativa e temperatura, utilizar material de propagação de qualidade, que cumpra com os requisitos fitossanitários adequados à região e espécie e implementar um plano de gestão que inclua boas práticas agrícolas neste contexto.
BIBLIOGRAFIA
Berge, O.; Monteil, C. L.; Bartoli, C.; Chandeysson, C.; Guilbaud, C.; Sands, D. C.; et al. (2014). A user’s guide to a data base of the diversity of Pseudomonas syringae and its application to classifying strains in this phylogenetic complex. PLoS ONE 3:e105547.
INIAV. (2019). Boletim técnico. Cancro bacteriano das prunóideas. SAFSV-BT-02/2019.
Hulin, M. T.; Jackson, R. W.; Harrison, R. J. and Mansfield, J. W. (2020). Cherry picking by pseudomonads: After a century of reasearch on canker, genomics provides insights into the evolution of pathogenicity towards stone fruits. Plant Pathology, 69, 962-978.
Kennelly, M. M.; Cazorla, F. M.; de Vicente, A.; Ramos, C.; Sundin, G. W. (2007). Pseudomonas syringae diseases of fruit trees: Progress toward understanding and control. Plant disease, 27, 219-229.
Luz, J.P. (2014). Peach, Cherry and Plum. In Raymond A.T. George & Roland T.V. Fox (Eds.) Diseases of Temperate Horticultural Plants. CABI, Wallingford, UK, pp.104-133.
Luz, J.P. (2018). Doenças do Pessegueiro. Cadernos Técnicos do COTHN, n.º 2. pp. 29-34. Alcobaça. ISBN: 978-972-8785-09-3
Simões, M.P. (coord.). (2022). PrunusFITO - Proteção fitossanitária nas culturas de cerejeira e pessegueiro. Centro Operativo e Tecnológico Hortofrutícola Nacional - Centro de Competências, Volume II. ISBN 978-972-8785-20-8. 151 pp.