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CONTEÚDOS
O impacto das alterações climáticas na esteva
Ribeiro et al. 2023
A subespécie sulcatus da esteva: um táxon em risco?
Ribeiro et al. 2023
Ensaio de proveniências da esteva para seleção e melhoramento genético
Ribeiro et al. 2023
Propagação in vitro de Cistus ladanifer L.
Coelho et al. 2023
Sementes de esteva: de alimento ancestral a ingrediente sustentável
Frazão et al. 2023
O impacto das alterações climáticas na esteva
Maria Margarida Ribeiro (mataide@ipcb.pt), Alice Almeida, Natália Roque e Paulo Fernandez
Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco
As alterações climáticas na região do Mediterrâneo
A região do Mediterrâneo sofrerá, no futuro, com as alterações climáticas de forma mais intensa por comparação com as outras regiões do mundo e o padrão climático mediterrânico prevalece na área de estudo do projeto CULTIVAR. A esteva, uma espécie bem-adaptada à seca e às altas temperaturas do verão, foi estudada para se desvendar as adaptações futuras e passadas às mudanças climáticas considerando toda a sua área de distribuição. Este tipo de estudos, o uso de modelos de distribuição de espécies (SDMs) em toda a área de uma espécie, para prever mudanças na sua distribuição no passado, presente e futuro, raramente foram feitos para a região mediterrânica.
Este trabalho pretende contribuir para revelar o impacto das alterações climáticas, no futuro, para uma espécie bem-adaptada aos matagais esclerófitos perenes. Além disso, a resposta da espécie às mudanças climáticas no passado foi estudada para ajudar a entender a localização de possíveis refúgios e as alterações à área de ocupação, incluindo potenciais migrações. A área de distribuição das espécies diminuirá no futuro, particularmente no cenário mais gravoso. A região do Mediterrâneo é propensa a uma maior desertificação nos tempos vindouros e este estudo pode alertar os políticos a considerar medidas para mitigar o impacto das alterações climáticas e estabelecer programas de conservação da biodiversidade.
A esteva (Cistus ladanifer) é um arbusto perene, esclerófito, de folhas resinosas devido à produção de láudano (Figura 1). A espécie ocorre associada ao sub-bosque de carvalhais ou de pinheiros e tende a dominar matagais perturbados e de baixa biodiversidade. Esta espécie está bem-adaptada a locais quentes e secos, o que pode indicar resistência às alterações climáticas, que começam a aumentar a aridez da bacia do Mediterrâneo.
Figura 1. Aspetos da esteva em flor.
Objetivos do projeto
Usando modelos de distribuição de espécies (SDMs) pretendeu-se (1) prever a distribuição atual potencial da esteva, (2) identificar as áreas mais adequadas e os potenciais refúgios glaciares para esta espécie em três períodos passados, com base na modelação, na filogeografia e em dados fósseis, e (3) projetar o modelo em períodos futuros, analisando o efeito das mudanças climáticas nas alterações à distribuição atual.
MÉTODOS
Os métodos empregues estão representados graficamente na Figura 2. Foram usadas 2833 ocorrências da espécie na modelação. Os algoritmos empregues foram: dois com uma base de regressão linear, Generalized Linear Model (GLM) e Multivariate Adaptive Regression Splines (MARS), e dois, com base em inteligência artificial, MaxEnt e Artificial Neural Networks (ANN). As variáveis ecológicas empregues na modelação foram retiradas do Worldclim v1.4, exceto os dados para o Último Glacial Máximo (LGM ~22,000 BP - anos antes do presente), que foram descarregados da plataforma CHELSA v1.2. Metade das seis variáveis ecológicas selecionadas são dependentes da temperatura e a outra metade da precipitação.
Os horizontes de tempo usados foram o Último Interglacial (LIG: ~ 120.000 - 140.000 BP), o Último Glacial Máximo (LGM ~22,000 BP), o Holocénico Médio (HM: ~ 6.000 BP - anos antes do presente), o presente e o futuro. No futuro foram consideradas duas datas (2050 e 2070) e dois cenários de aquecimento global, um menos gravoso (RCP 4.5) e outro mais gravoso (RCP 8.5). Foram, ainda, usados dois modelos de circulação global (GCMs), o CCSM4 (Community Climate System Model 4.0) e o MRI-CGCM3 (Meteorological Research Institute-Coupled Global Climate Model 3.0).
Foi produzido um modelo conjunto (ensemble) com base nos quatro algoritmos. Os dados foram analisados com o Biomod2 na plataforma R. Os dados paleobotânicos e genéticos foram retirados da plataforma Neotoma Paleoecology Database e da literatura (Quintela-Sabarís et al., 2011; Quintela-Sabarís et al., 2012), respetivamente.
Figura 2. Síntese gráfica dos métodos empregues no trabalho [adaptado de Almeida et al.,(2023)].
RESULTADOS
Área de distribuição potencial atual
As variáveis de precipitação, as precipitações do trimestre mais quente (BIO18), do mês mais seco (BIO14) e do trimestre mais seco (BIO17), tiveram importância decrescente no modelo de conjunto (ensemble), seguidas pelas variáveis de temperatura, a temperatura média do trimestre mais quente (BIO10), a máxima do mês mais quente (BIO5) e a média anual (BIO1). Além disso, na área de estudo, todos os cenários futuros preveem um aumento de temperatura (BIO1, BIO5 e BIO10), e uma diminuição da precipitação (BIO14, BIO17 e BIO18).
As variáveis relacionadas com a temperatura tiveram uma redução do LIG para o LGM e um aumento do LGM para o presente. As da precipitação, por outro lado, tiveram um aumento do passado para o presente e esses resultados foram consistentes em ambos os GCMs. O modelo conjunto (ensemble) (Figura 3A) teve maior precisão preditiva e forneceu previsões mais robustas do que os três algoritmos (GLM, MaxEnt e MARS), mas não quando comparado com as Redes Neurais Artificiais.
Figura 3. Mudanças na área de distribuição entre os algoritmos, períodos de tempo e cenários [adaptado de Almeida et al., (2023)]
A probabilidade média-alta de ocorrência da espécie (> 0,6) acontece maioritariamente na área nativa da espécie, centro e sudoeste da Península Ibérica (PI), norte de Marrocos e Argélia e nas condições atuais, por comparação com os outros cenários (Figura 3B).
Figura 4. Mapas binários: presença = verde-escuro e ausência =cinza. A. LIG, B. LGM, C. MH, D. Presente, E. RCP 4.5 2050, F. RCP 4.5 2070, G. RCP 8.5 2050, H, RCP 8.5 2070.
Existe uma boa correspondência na PI entre duas divisões, uma bioclimatológica e outra litológica, e a distribuição potencial das espécies. Existe uma divisão litológica significativa entre substratos ácidos ocidentais e básicos orientais (ver Figura 1 em Buira et al., (2021)). A outra divisão deve-se ao clima temperado a norte e a noroeste da PI (os Pirenéus e a Cordilheira Cantábrica). Essas duas divisões enquadram a distribuição potencial de C. ladanifer, orientada para o sul e para o oeste, evitando solos básicos e clima temperado (Figura 4D).
Evolução futura da área geográfica
De acordo com os resultados, no cenário de emissões moderadas, a área potencialmente adequada diminuirá em 2050 e em 2070, porém, no cenário de emissões mais altas, a área apta terá uma redução significativa em 2070 em relação ao presente (Figura 3D, Figura 4). Esta redução dever-se-á principalmente ao decréscimo das áreas de aptidão média-alta, do presente para o futuro, sobretudo para o pior cenário, com perda substancial de habitat no centro do PI e norte de África, uma retração orientada para oeste, com um potencial aumento da fragmentação (RCP 8.5; Figura 3B e Figura 4).
A distribuição de C. ladanifer durante o LGM é suportada pelos estudos genéticos e evidências fósseis, apesar das limitações de evidências de pólen nesse período. Foram identificadas quatro linhagens intraespecíficas na esteva com base em marcadores moleculares (Quintela-Sabarís et al., 2011; Quintela-Sabarís et al., 2012):
(1) região do Rif,
(2) área Bética,
(3) litoral centro de Portugal
(4) leste do PI.
Esta espécie migrou para oeste a partir do refúgio oriental (3), para norte a partir do norte de África (1) e em leque a partir do refúgio central de Portugal (4), durante o aquecimento a partir do LGM, com um ritmo de propagação relativamente rápido a partir do Holocénico médio. Essas descobertas estão de acordo a modelação feita para o LGM (Figura 4), consistente com a hipótese dos dois refúgios revelados no leste e sul da PI, à beira-mar, outro no norte da África e o quarto no centro Portugal, também perto do mar. A influência oceânica pode ter desempenhado um papel protetor contra o clima mais agreste da última glaciação e acabou por ser responsável pela sobrevivência da espécie, como foi constatado num estudo com o medronheiro (Ribeiro et al., 2017).
CONCLUSÕES
As projeções de distribuição ao passado oferecidas pelos modelos são congruentes com duas abordagens independentes (registro fóssil e genética), corroborando a validade de nossa modelação sobre o efeito das mudanças passadas no clima na distribuição de C. ladanifer para compreender o futuro da espécie em cenários de mudança global. Esta espécie será dramaticamente afetada pelo aquecimento global, apesar da sua resiliência à seca e à temperatura.
Como foi observado noutras espécies mediterrâneas, a migração para o norte não será uma possibilidade no futuro (Almeida et al., 2022). Em vez disso, a espécie colapsará para oeste em direção à costa portuguesa (Figura 4). Prevê-se que a área desta espécie seja muito reduzida no futuro e as informações fornecidas por este trabalho podem ajudar a entender as consequências para outras espécies igualmente resistentes à seca nesta região. Os políticos devem ser pressionados para tomar medidas urgentes para mitigar a tendência do aquecimento global e para a conservação da biodiversidade nesta região, um cenário possível mesmo para as espécies termófilas do Mediterrâneo.
BIBLIOGRAFIA
Almeida, A.M., Martins, M.J., Campagnolo, M.L., Fernandez, P., Albuquerque, T., Gerassis, S., Gonçalves, J.C., Ribeiro, M.M., 2022. Prediction scenarios of past, present, and future environmental suitability for the Mediterranean species Arbutus unedo L. Scientific Reports 12, 84.
Almeida, A.M., Ribeiro, M.M., Ferreira, M.R., Roque, N., Quintela-Sabarís, C., Fernandez, P., 2023. Big data help to define climate change challenges for the typical Mediterranean species Cistus ladanifer L. Frontiers in Ecology and Evolution 11.
Buira, A., Fernández-Mazuecos, M., Aedo, C., Molina-Venegas, R., 2021. The contribution of the edaphic factor as a driver of recent plant diversification in a Mediterranean biodiversity hotspot. Journal of Ecology 109, 987-999.
Quintela-Sabarís, C., Ribeiro, M.M., Poncet, B., Costa, R., Castro-Fernández, D., Fraga, M.I., 2012. AFLP analysis of the pseudometallophyte Cistus ladanifer: comparison with cpSSRs and exploratory genome scan to investigate loci associated to soil variables. Plant and Soil 359, 397-413.
Quintela-Sabarís, C., Vendramin, G.G., Castro-Fernández, D., Isabel Fraga, M., 2011. Chloroplast DNA phylogeography of the shrub Cistus ladanifer L. (Cistaceae) in the highly diverse Western Mediterranean region. Plant Biology 13, 391-400.
Ribeiro, M.M., Piotti, A., Ricardo, A., Gaspar, D., Costa, R., Parducci, L., Vendramin, G.G., 2017. Genetic diversity and divergence at the Arbutus unedo L. (Ericaceae) westernmost distribution limit. PLoS One 12, e0175239.
A subespécie sulcatus da esteva: um táxon em risco?
Maria Margarida Ribeiro1 (mataide@ipcb.pt), Miguel R. Ferreira1, Alice M. Almeida1, Celestino Quintela-Sabarís2, Natália Roque1, Paulo Fernandez1
1Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugal, 2Grupo de Ecoloxía Animal, Universidade de Vigo, Vigo, Espanha.
As alterações climáticas podem ser uma ameaça significativa para as espécies costeiras, pois ocupam locais restritos, em particular se existe afinidade com um tipo particular de costa, provocando a redução do seu habitat, obrigando-as a migrar ou extinguindo-as. A Cistus ladanifer subsp. sulcatus é uma planta endémica, que só ocorre no topo das falésias proeminentes da costa sudoeste de Portugal ou costa Vicentina. Este táxon é considerado uma prioridade para conservação e o impacto das alterações climáticas na sua distribuição é desconhecido. Utilizámos o Maxent para modelar a sua distribuição atual e futura e ultrapassar esta lacuna. Usámos diferentes Modelos Gerais de Circulação, dois períodos de tempo no futuro e dois cenários de aquecimento global. Os resultados sugerem uma contração moderada da área de distribuição no futuro, embora a sua extinção seja, também, um cenário possível. A proximidade às falésias do litoral é crucial para a ocorrência desta planta, mas estas formações não estão uniformemente distribuídas ao longo da costa, dificultando a migração da subespécie, que é inibida, também, pela sua fraca capacidade de dispersão. No futuro esta espécie permanecerá confinada ao sudoeste de Portugal, uma região onde ocorrem muitas outras plantas endémicas e outras ameaças, tais como a atividade humana, reforçando a necessidade da sua conservação.
A Cistus ladanifer subsp. sulcatus (Demoly) P. Monts é endémica de uma região caracterizada por condições ecológicas específicas e está inserida em diversas associações fitossociológicas. Este arbusto lenhoso, que pode atingir 200 cm, é morfologicamente semelhante à subespécie ladanifer, embora tenha a venação foliar mais marcada e uma estratégia ecofisiológica distinta. A taxonomia não está totalmente esclarecida e alguns autores consideraram-na uma espécie separada (Cistus palhinhae), no entanto, a subespécie sulcatus parece ser a classificação mais apropriada, com base em estudos de genética molecular (Carlier et al., 2008). A divergência genética da subespécie ladanifer foi, provavelmente, desencadeada pela sua adaptação às condições particulares, ambientais e edáficas, que se encontram no topo das falésias costeiras do sudoeste de Portugal (Figura 1).
Os matos são componentes intrínsecas dos ecossistemas Ibéricos, em particular nas paisagens pós-fogo, onde as espécies do género Cistus são frequentemente dominantes. A parte ocidental da bacia mediterrânica contém a maior parte destas espécies, incluindo a Cistus ladanifer L., nativa de Marrocos, Argélia, Sul de França e Ibéria. A esteva apresenta uma elevada diversidade intraespecífica e considerável diferenciação populacional. Tem três subespécies reconhecidas (africanus, ladanifer e sulcatus), cujas distribuições convergem no extremo sul da Península Ibérica, sugerindo que os refúgios nesta área podem ter sido cruciais para a sua história evolutiva.
Figura 1. Localização da área de estudo e representação espacial do conjunto de dados de presença. Os círculos vermelhos representam os 38 pontos de presença utilizados para produzir os modelos para o presente e as suas projeções futuras e os triângulos amarelos todos os pontos de presença, n= 64 (adaptado de Ferreira et al. (2021)).
Objetivos no projeto
Os modelos de distribuição de espécies ainda não permitem prever a velocidade das respostas às atuais condições climáticas, mas podem ajudar na preservação de linhagens únicas circunscritas a áreas muito restritas.
Neste estudo visámos (1) prever a atual distribuição de C. ladanifer subsp. sulcatus, identificando as variáveis ambientais que mais a influenciam; (2) projetar a sua distribuição para diferentes períodos futuros e avaliar as alterações de alcance ao longo do tempo; (3) analisar as implicações que podem surgir das restrições de dispersão inerentes à biologia desta planta estritamente endémica, discutindo os consequentes desafios de conservação.
MÉTODOS
Para projetar o modelo no futuro, foram utilizados cinco modelos gerais de circulação (GCMs): ACCESS1-0, BCC-CSM1-1, CCSM4, MIROC-ESM e MRI-CGCM3), utilizou-se a aplicação web GCM compareR, para a escolha dos GCMs. As variáveis bioclimáticas foram descarregadas com uma resolução de 30 segundos, a partir do Worldclim v1.4. A projeção futura foi feita para 2050 (média de 2041-2060) e 2070 (média de 2061-2080), para cada GCM, em dois cenários de aquecimento global, um menos gravoso (RCP 4.5) e outro mais gravoso (RCP 8.5). As variáveis Distância à Falésia e Composição Edáfica foram mantidas tal como estão no presente, uma vez que provavelmente permanecerão inalteradas. Considerando os 5 GCMs e 4 combinações de períodos futuros e RCPs, no total, foram produzidas 20 projeções futuras (Figura 2).
Produziram-se mapas de ausência/presença para a subespécie: habitats adequados e impróprios. Isso foi feito comparando duas situações: com e sem limitação de dispersão. Para a primeira, usámos o polígono convexo mínimo com um área-tampão de 2 km, recortado para uma distância costeira máxima de 7 km (polígono de limitação de dispersão). O polígono foi considerado o local além do qual a subespécie não se consegue dispersar.
Figura 2. Síntese gráfica dos métodos empregues no trabalho (adaptado de Ferreira et al. 2021).
RESULTADOS
Área de distribuição potencial atual
As variáveis ecológicas usadas mais relevantes foram a Sazonalidade da Precipitação e a Distância à Falésia, com mais de 80% do contributo percentual médio para o modelo. A modelação com o Maxent revelou uma clara diminuição da adequação do habitat com o aumento das distâncias às falésias. Por outro lado, a adequação tendeu a aumentar com a Sazonalidade da Precipitação, apresentando padrões opostos aos observados para a Temperatura Média do Trimestre Mais Seco e a Precipitação Anual. A variável Composição Edáfica teve a pior contribuição para o modelo.
O nicho ecológico da subespécie sulcatus está concentrado nas zonas costeiras do sudoeste de Portugal e o Cabo de São Vicente foi considerado o seu habitat de excelência. O modelo teve uma elevada precisão preditiva (teste AUC = 0,9832, perto do melhor valor de AUC = 1). As projeções para o futuro destacaram a linha costeira a sul do Cabo Sines como a área mais adequada e, em alguns casos (particularmente em 2070), o Parque Natural da Arrábida. O Cabo de São Vicente foi consistentemente selecionado como a área mais adequada, com as projeções a revelarem como a única região onde a planta poderá persistir no futuro.
Evolução futura da área geográfica
Combinando o mapa atual com as 20 projeções futuras foram observados dois padrões gerais: (1) a perda de habitat será mais intensa nas áreas mais afastadas da costa e (2) o ganho de habitat será mais efetivo entre a metade norte da distribuição da subespécie e o cabo de Sines e no Parque Natural da Arrábida. Não foram encontradas diferenças substanciais entre GCMs, exceto no caso do MRI-CGCM3, que revelou os piores cenários, com perdas de habitat entre 71,4% e 100% (Figura 3). No caso do RCP 8.5, apenas o BCC-CSM1-1 resultou na perda de habitat até 2050 (1,4%). A perda de habitat foi mais evidente para o RCP 4.5 (até 37,5% de toda a área atualmente adequada). Considerando o polígono de limitação da dispersão, a área adequada, no presente diminuiu 15% dos 280 pixéis adequados sem restrição. Como seria esperado, na projeção futura a área adequada tendeu a diminuir com limitação da dispersão (Figura 3).
Figura 3. Mudanças na área de distribuição entre os GCMs, períodos de tempo e cenários. As cores correspondem às categorias de mudança de habitat: Verde - habitat mantido, Vermelho - habitat perdido e Azul - habitat ganho. As figuras à esquerda correspondem ao cenário sem restrições, onde C. ladanifer subsp. sulcatus é capaz de se dispersar por todo o lado e à direita, existem limitações à dispersão, a área exclusiva onde pode estar presente, tanto atualmente como no futuro (adaptado de Ferreira et al. 2021).
CONCLUSÕES
Neste estudo mostrámos que as alterações climáticas podem restringir significativamente o habitat da C. ladanifer subsp. sulcatus, embora reduções moderadas pareçam ser mais plausíveis. Confirmámos a estreita afinidade que esta planta tem com as falésias metamórficas: o habitat mais adequado. Confinada por areias a norte e paisagens urbanas a sudeste, onde a influência atlântica é substituída pelo mar Mediterrânico, não é expectável uma expansão considerável da subespécie. Nesse sentido, as populações desta linhagem única de C. ladanifer devem ser vigiadas. As a políticas de conservação destinadas a este e outros taxa simpátricos, devem ser implementadas, visto ser a costa Vicentina um dos locais referenciados de biodiversidade de plantas na Península Ibérica.
BIBLIOGRAFIA
Carlier, J., Leitao, J., Fonseca, F., 2008. Population genetic structure of Cistus ladanifer L. (Cistaceae) and genetic differentiation from co-occurring Cistus species. Plant Species Biology 23, 141-151.
Ferreira, M.R., Almeida, A.M., Quintela-Sabarís, C., Roque, N., Fernandez, P., Ribeiro, M.M., 2021. The role of littoral cliffs in the niche delimitation on a microendemic plant facing climate change. PLoS One 16, e0258976.
Ensaio de proveniências da esteva para seleção e melhoramento genético
Maria Margarida Ribeiro (mataide@ipcb.pt)1, João Paulo Carneiro1, David Frazão2, Celestino Quintela-Sabarís3, Nuno Borralho4
1Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugal; 2Centro de Biotecnologia Agrícola e Agroalimentar do Alentejo, Beja, Portugal; 3Grupo de Ecoloxía Animal, Universidade de Vigo, Vigo, Espanha; 4Instituto de Investigação da Floresta e Papel, Aveiro, Portugal
O sucessivo agravamento das condições climáticas (temperaturas mais altas, chuva concentrada em períodos mais curtos, seca estival alargada entre outros), edáficas (solos degradados pela agricultura intensiva e/ou fogos florestais/rurais) e sociais (abandono territorial) têm impactos negativos ambientais (libertação de CO2, perda de biodiversidade), sociais (insegurança) e económicos (perda de culturas e de rendimento).
As espécies endógenas bem-adaptadas ao território e a condições climáticas severas, poderão ser uma solução para recuperar e explorar áreas abandonadas e degradadas. A esteva (Cistus ladanifer L.) é uma dessas espécies, que consegue sobreviver à exposição solar elevada, à baixa disponibilidade de água e em solos pobres em nutrientes e/ou contaminados (Frazão et al. 2018).
Estudos recentes têm demonstrado o potencial económico da esteva. A biomassa pode ser fracionada em lenhosa, semilenhosa, herbácea e cápsulas. A biomassa lenhosa constitui uma das principais frações da esteva, predominante em estevais mais velhos (Frazão et al. 2023 e referências citadas), com valor para o setor energético ou para bio conversão (Alves-Ferreira et al. 2022). As cápsulas e sementes têm potencial para alimentação animal e humana (Frazão et al. 2022b; Rodrigues et al. 2021). A biomassa herbácea pode ser usada na alimentação de ruminantes (Guerreiro et al. 2016). A biomassa herbácea e semilenhosa - biomassa fotossintética - pode ser usada para a extração de óleos essenciais e a resina lábdano, que têm mercado potencial. A resina lábdano e extratos derivados são atualmente usados na perfumaria, mas a sua aplicação em produtos cosméticos, cosmacêuticos e farmacêuticos pode vir a ter valor económico (Frazão et al. 2022a).
Na sua área de ocorrência, por ser abundante, o cultivo da esteva não tem sido considerado, e também por o seu uso económico necessitar de ser estudado e divulgado. No entanto, o desmatamento realizado para reduzir o risco de incêndios e aumentar as pastagens, pode afetar a sua disponibilidade local, assim como o aquecimento global (Almeida et al. 2023). A presença de outras espécies nos estevais dificulta a possível colheita mecânica, que resultaria numa mistura de espécies vegetais, aumentando os custos de seleção de biomassa de interesse ou alterando a qualidade e o rendimento dos produtos obtidos. Além disso, o cultivo desta planta pode ter relevância em solos muito degradados e, também, nos contaminados com metais pesados, pela fito-extração de manganês e zinco ou fito-estabilização de arsénio, cobre, níquel e chumbo (Raimundo et al. 2018).
Figura 1. A. e B, montagem do ensaio de proveniências de esteva (outubro de 2021) e, C. ano e meio após a plantação (junho de 2022).
Considerando o futuro potencial da esteva foram iniciados estudos de domesticação da espécie. A esteva apresenta variação química e genética a nível das subespécies, populações e indivíduos (Quintela-Sabarís et al. 2010; Quintela-Sabarís et al. 2011; Quintela-Sabarís et al. 2012; Frazão et al. 2018), existindo, por isso, potencial para seleção de indivíduos interessantes para o melhoramento da espécie em função das características mais importantes do ponto de vista económico, como a produção e constituição química da resina lábdano ou a produção de biomassa.
Foi instalado um ensaio de proveniências de esteva no Interior Centro de Portugal (Castelo Branco, Figura 1 e Tabela 1), utilizando famílias de oito populações selecionadas, na área de distribuição da espécie, pela sua diversidade genética molecular (Quintela-Sabarís et al. 2010 e Quintela-Sabarís et al. 2012), e duas populações locais para comparação (Figura 2).
Os objetivos do ensaio nos primeiros anos de cultivo são: i) estabelecer um método não destrutivo para estimar a produção de biomassa e de resina lábdano, ii) estimar o vigor das plantas, a variabilidade na produção de biomassa entre e dentro de populações e famílias e respetivas heritabilidades, iii) estimar a variabilidade na produção de resina lábdano e na sua composição, entre e dentro de populações e famílias, e iv) classificar as populações, famílias e indivíduos em termos de produção de biomassa e resina lábdano.
Figura 2. Populações recolhidas para o ensaio de proveniência de esteva com indicação das subespécies. O local da plantação situa-se entre as populações VVR e PG. Ver Tabela 1 para descrição das proveniências/populações. Os pontos de presença da espécie a preto (Almeida et al. 2023).
O desenho experimental adotado foi o de blocos compactos de famílias, em parcelas subdivididas aninhadas (Figura 3). O principal fator "População" (ou proveniência) foi tornado aleatório entre as réplicas (blocos). O segundo fator "Família" foi tornado aleatório dentro de cada "População".
Tabela 1. Caracterização das populações de origem dos indivíduos C. ladanifer em estudo no ensaio de proveniências (Figura 2). Subespécies de acordo com Demoly and Montserrat (1993). Solos metalíferos (M) ou não metalíferos (NM) (Quintela-Sabarís et al. 2010 e Quintela-Sabarís et al. 2012). Linhagem genética por análise de microssatélites de cloroplasto (cpSSRs, Quintela-Sabarís et al. 2010) e de polimorfismos do genoma (AFLPs, Quintela-Sabarís et al. 2012).
No desenho experimental, foram consideradas 5 repetições e 7 indivíduos por repetição. Cada população foi representada por 5 indivíduos (meios-irmãos provenientes de sementes colhidas na mesma planta mãe) de 5 famílias diferentes (família = mesma planta-mãe), com uma planta por família e repetição. Para a mesma família, foram plantados na base de cada bloco dois indivíduos adicionais, para a futura análise destrutiva e estimativa da biomassa, no primeiro e no segundo ano após a plantação, para a obtenção de equações alométricas relativas à biomassa. As plantas-mãe foram selecionadas em cada população distando pelo menos 10 m entre elas, para evitar sementes consanguíneas, uma vez que a dispersão do pólen na esteva ocorre a distâncias muito curtas de acordo com Metcalfe e Kunin (2006). Foram plantadas 350 plantas no total e o espaçamento foi de 0,7 x 1,8 metros. Nas bordaduras, foram plantados indivíduos com a mesma idade para eliminar efeitos da competição.
Figura 3. Representação esquemática do bloco experimental do ensaio de proveniências da esteva que é constituído por 5 blocos.
Após meio ano da instalação do ensaio de proveniências (junho de 2021) foi possível verificar que os indivíduos das populações locais (PG e VVR) estão mais bem-adaptados, em média, por revelarem maior crescimento (através do biovolume) e menor mortalidade (Tabela 2).
Tabela 2. Média do biovolume (considerando o volume de um cone invertido) e mortalidade dos indivíduos usados no ensaio de proveniências por população após meio ano de instalação do ensaio de proveniência (junho 2021).
O biovolume foi calculado a partir da medição da altura da planta e do diâmetro médio da planta, considerando-a um cone invertido. Embora ainda não se saiba a relação entre o biovolume e o peso da biomassa, existe indicação de uma boa correlação positiva entre as duas variáveis (Castro e Freitas 2009).
Também foi possível detetar um comportamento inicial mais fraco das plantas provenientes das populações mais afastados do local de ensaio (ESP e MK), com menor crescimento e maior mortalidade, simultaneamente.
A população PSV é a única população representativa da subespécie sulcatus, restrita às zonas costeiras do sul de Portugal. O seu crescimento em termos de volume foi dos menores, mas uma das características da subespécie é precisamente o crescimento mais prostrado que as outras. Por outro lado, a mortalidade não é das mais elevadas, por comparação com as outras as populações testadas.
Este estudo continua em desenvolvimento e serão apresentados mais resultados durante os próximos anos.
BIBLIOGRAFIA
Almeida, A.M., Ribeiro, M.M., Ferreira, M.R., Roque, N., Quintela-Sabaris, C., and Fernandez, P. (2023). Big data help to define climate change challenges for the typical Mediterranean species Cistus ladanifer L. Front Ecol Evol 11: 12.
Alves-Ferreira J, Duarte LC, Fernandes MC, Pereira H, Carvalheiro F (2023) Cistus ladanifer as a potential feedstock for biorefineries: a review. Energies 16: 391.
Castro H, Freitas H (2009) Above-ground biomass and productivity in the Montado: From herbaceous to shrub dominated communities. J Arid Environ 73: 506–511
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Propagação in vitro de Cistus ladanifer L. para conservação de germoplasma
Maria Teresa Coelho 1,2,3(mteresacoelho@ipcb), David Frazão, Celina Barroca e José Carlos Gonçalves
1Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco; 2CBPBI –Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior; 3CERNAS-IPCB – Research Centre for Natural Resources, Environment and Society, Instituto Politécnico de Castelo Branco
A Cistus ladanifer L., vulgarmente conhecida como esteva, encontra-se amplamente distribuída na Península Ibérica e Norte de África, colonizando oportunisticamente áreas perturbadas com solos degradados (por exemplo, pela passagem do fogo) e abandonados. Esta espécie produz uma resina fenólica e terpénica com interessantes propriedades bioativas e aromáticas (Frazão et al, 2022). Dada a ampla gama de aplicações nos setores de perfumaria, cosmética, farmacêutica, química fina e combustíveis, a esteva começa a ser vista como uma espécie de promissor valor, justificando a importância do desenvolvimento de protocolos para propagar, com eficiência, genótipos selecionados e melhorados. Embora estas plantas possam ser propagadas por estacas, estudos preliminares mostraram alguma mortalidade nesta espécie. A propagação por sementes é muito mais fácil, mas o genótipo selecionado não é mantido dada a variabilidade que pode ocorrer. Assim sendo, a propagação in vitro pode ser uma alternativa, quer para a sua propagação clonal quer para produção de metabolitos específicos, mas ainda existem poucos estudos sobre isso.
A propagação in vitro ou micropropagação inclui diversas técnicas, consoante os objetivos a atingir, podendo ser iniciadas utilizando pequenas partes de plantas como meristemas, gomos axilares, folhas, segmentos nodais ou até raízes.
Na micropropagação existem, pelo menos, quatro fases: estabelecimento em condições in vitro, a multiplicação, enraizamento e aclimatização. Na fase de estabelecimento há que selecionar a planta mãe adequadamente e escolher o material vegetal de partida, o explante. Este explante tem de ser desinfetado, mantido em condições asséticas e em meios de cultura com composição adequada à espécie e colocado em condições específicas de luz, fotoperíodo e temperatura. Estes meios de cultura que permitem o crescimento das plantas são constituídos por macronutrientes, micronutrientes, vitaminas e reguladores de crescimento. Os reguladores de crescimento são substâncias de baixo peso molecular que, em concentrações muito baixas, desempenham efeitos específicos no crescimento das plantas sem se alterarem quimicamente (Teale et al., 2006). Os dois grupos de reguladores mais utilizados são as citocininas e as auxinas. As primeiras exercem efeitos nos processos fisiológicos e de desenvolvimento das células, incluindo na mobilização de nutrientes, na dominância apical, na formação e atividade dos meristemas apicais do caule, entre outras (Taiz e Zieger, 2002). As auxinas desempenham funções importantes sobretudo no alongamento celular, dominância apical e rizogénese.
A fase de multiplicação tem por finalidade aumentar o número de rebentos sem perda de estabilidade genética, utilizando meios de cultura nutritivos, suplementados com reguladores de crescimento responsáveis pela coordenação do metabolismo, crescimento e morfogénese (Taiz e Zeiger, 2002). Na fase seguinte terá de haver uma preparação destes rebentos para transplante em condições ex vitro, incluindo a formação de raízes adventícias. Posteriormente, é necessário que estas plântulas, desenvolvidas em heterotrofia, se adaptem e sobrevivam em condições autotróficas, pelo que, em fase de aclimatização, há que controlar um conjunto de fatores físicos tais como: temperatura, humidade e luz que vão sendo gradualmente alterados.
Neste estudo, a seleção do material vegetal para estabelecimento in vitro foi obtido a partir de estacas jovens (Figura 1) com cerca de 10-15 cm de comprimento, colhidas em plantas adultas provenientes de populações de diferentes regiões da Beira Interior (Portugal), implantadas numa parcela da Escola Superior Agrária de Castelo Branco.
Figura 1. Material inicial para estabelecimento em condições in vitro.
Estas estacas foram sujeitas a um procedimento de desinfeção (Figura 2A): imersão em solução de álcool etílico a 70%, depois em solução de fungicida, colocação em solução de hipoclorito de sódio e passagem por água destilada.
Figura 2. A. Material inicial em procedimento de desinfeção. B. Exemplares de explantes de C. ladanifer estabelecidos in vitro. C. Explantes de C. ladanifer em fase final de estabelecimento, prontos para a fase seguinte de multiplicação.
Na fase de estabelecimento in vitro, rebentos apicais e axilares foram usados como material de partida (explantes). Os explantes foram estabelecidos em meio de cultura MS (Murashige e Skoog, 1962) suplementado com 0,5 mg/L de BAP (6-benzilaminopurina) (Figura 2B).
A melhor percentagem de sobrevivência foi de 27,3% (Tabela 1), o que demonstra a dificuldade do estabelecimento e a necessidade de otimizar protocolos de propagação in vitro para esta espécie. Como se pode verificar pelos resultados apresentados na Tabela 1, a dificuldade do estabelecimento in vitro de C. ladanifer deveu-se à contaminação dos explantes e também à morte por necrose.
Tabela 1. Sobrevivência, contaminação e necrose (em percentagem) dos explantes estabelecidos a partir de material vegetal proveniente de seis diferentes populações da região da Beira Interior (Portugal).
Os explantes que ultrapassaram a fase de estabelecimento foram colocados na fase de multiplicação (Figura 2B) em meio de cultura MS.
Foram utilizadas para suplementação dos meios de cultura na fase de multiplicação, quatro diferentes citocininas: BAP (6-benzilaminopurina), Kin (cinetina), Mtop (Meta-topolina, 6-(3-hidroxibenzilaminopurina)) e 2iP (2- isopentiladenina). Os resultados médios apresentados na Figura 3, foram obtidos após três subculturas sucessivas. Das quatro citocininas, embora o número de rebentos induzidos nesta fase tenha sido semelhante, a Kin e 2iP promoveram a melhor resposta em termos de alongamento dos rebentos, quer para o maior rebento (Cmaior = 4,2 e 4,7 cm respetivamente) quer para o menor rebento (Cmenor = 2,1 e 1,4 cm respetivamente) o que resultou num número maior de rebentos usados como explantes para subculturas posteriores (Nexp = 3,0 para os dois) (Figura 3).
Figura 3. A. Número médio de rebentos multiplicados (Nreb) e e número médio de explantes multiplicados (Nexp), B. comprimento médio do maior rebento (Cmaior), comprimento médio do menor rebento (Cmenor) por subcultivo após 3 subcultivos sucessivos.
A suplementação dos meios de cultura com a Kin e 2iP parece-nos vantajosa já que o número de explantes utilizáveis nos ciclos de multiplicação subsequentes é superior (3 explantes para subcultivo) relativamente à suplementação com a BAP (1,3 explantes) ou a mTop (1,6 explantes) (Figura 3).
Os explantes em fase de multiplicação (Figura 4), para cada um dos meios de cultura utilizados, não apresentaram contaminações, desenvolveram rebentos laterais e um bom alongamento sobretudo nos meios suplementados com Kin e 2iP.
Figura 4. Explantes de C. ladanifer em A. fase inicial e B. fase final de multiplicação com meio de cultura suplementado com Kin. Fotografias de Celina Barroca.
Verificou-se que a fase de estabelecimento in vitro do material vegetal é uma fase especialmente difícil de superar, devido à elevada contaminação e surgimento de necroses. No entanto, uma vez ultrapassada esta fase, e caso se pretenda propagar e conservar esta espécie em micropropagação, a fase de multiplicação pode-se considerar otimizada utilizando este procedimento.
Este trabalho tem como objetivo otimizar um protocolo de micropropagação para fins de propagação e conservação de plantas de C. ladanifer selecionadas e a breve tempo serão publicados os resultados completos do estudo.
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Sementes de esteva: de alimento ancestral a ingrediente sustentável
David Frazão1, Fernanda Delgado (fdelgado@ipcb.pt)2, Fátima Peres2, Celina Barroca2, António Moitinho2, Luísa Paulo3, Mafalda Resende3 e Christophe Espírito Santo3
1Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas, Vila Real; 2Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco; 3Centro de Apoio Tecnológico Agro-Alimentar, Castelo Branco
A esteva (Cistus ladanifer L.) é um recurso vasto e abundante em Portugal. As últimas estimativas indicam que os estevais (matos dominados pela espécie) ocupavam cerca de 250.000 ha em Portugal em 2001, o que representa cerca de 7,5 % da área de Portugal Continental (Godinho-Ferreira et al. 2005). No entanto, dado que esta espécie ocupa áreas com solos degradados tanto por fogos como resultado de atividades antropogénicas e posterior abandono, atualmente, a área de ocupação pelos estevais poderá ser maior. Por um lado, a instalação de um esteval constitui uma barreira à evolução dessas áreas para estados mais graves de degradação, mas, por outro, também constitui uma barreira à evolução da vegetação devido a um mecanismo de auto-sucessão muito associado a fogos florestais, com impactos ambientais e socioeconómicos negativos.
É neste contexto que aparece a necessidade de gestão destes matos e que deve ser feita através da valorização, não só diminuindo os impactos negativos associados (p.e. fogos, insegurança, perda de culturas, libertação de CO2, perda de biodiversidade) como criando impactos positivos como o restauro de florestas degradadas, a fixação de carbono, a contribuição para o abastecimento alimentar e o crescimento económico. Para além dos estevais suportarem atividades económicas como a cinegética e a apicultura, a sua biomassa pode ser valorizada em vários setores: a biomassa lenhosa para o setor energético ou outros através da bioconversão; a biomassa herbácea para alimentação animal; e a resina (lábdano) e óleo essencial para os setores das fragrâncias, da cosmética e farmacêutico (Raimundo et al. 2018). No entanto, os frutos (cápsulas com sementes) (Figura 1), que constituem uma parte significativa da biomassa de esteva estão pouco valorizados.
Figura 1. Cápsulas de esteva, sementes de esteva (fotografia à lupa20x) e farinha de sementes de esteva (da esquerda para a direita).
Um esteval natural pode produzir entre 100 e 300 kg/ha de cápsulas (Frazão et al. 2023), valores dependentes da idade e densidade do esteval. As cápsulas estão maduras e expostas no início do verão e começam a libertar as sementes de 1mm de diâmetro (Figura 1) por abertura dos lóculos no final do verão. Essas sementes constituem cerca de 25-30 % do peso das cápsulas.
Estudos etnobotânicos documentam o consumo das sementes de esteva como alimento pelas populações rurais, de forma crua ou em forma de farinha em pão e bolos (Frazão et al. 2022).
De modo a avaliar a composição nutricional das sementes, cápsulas de C. ladanifer subsp. ladanifer foram colhidas em Penha Garcia, Portugal, durante dois anos (2019 e 2020) em três períodos diferentes. As sementes foram separadas, armazenadas e posteriormente moídas para análise (Figura 1).
As sementes de esteva oferecem uma combinação equilibrada de nutrientes importantes para uma dieta saudável (Figura 2). Em relação ao peso, os hidratos de carbono e fibras são os macronutrientes principais. Mas em relação ao valor energético os hidratos de carbono e os lípidos são os que contribuem mais. Adicionalmente, a proteína e as cinzas apresentam-se numa quantidade significativa.
De acordo com o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar ser uma fonte de proteína e possuir um alto teor em fibra.
Figura 2. Composição de macronutrientes (à esquerda) da farinha de sementes de esteva através da análise proximal (humidade: 70 oC sob vácuo; proteína bruta: método de kjedahl; fibra bruta: método de Wendee; lípidos ou gordura total: extração Soxtec com éter de petróleo; cinzas: incineração a 550 oC; Hidratos de carbono: por diferença) e valor energético da farinha de esteva e as contribuições dos macronutrientes (à direita) de acordo com o Regulamento (UE) 1969/2011.
Sabe-se que os ácidos gordos constituem a maior parte da fração lipídica das sementes de C. ladanifer (Krollmann e Gülz 1983). A quantificação do perfil de ácidos gordos das sementes de esteva está sintetizada na Tabela 1. Dentro destes dominam os ácidos gordos insaturados, principalmente ácido oleico, linoleico e linolénico.
De acordo com o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar possuir um alto teor em ácidos gordos ómega-3.
Também é interessante notar que a proporção ómega-3: ómega-6 (0,27) segue a recomendação de 1:4.
Tabela 1. Perfil de ácidos gordos da farinha de sementes de esteva (GC-FID).
Dado o elevado teor de cinzas, os micronutrientes minerais foram analisados e a sua quantificação está representada na Figura 3.
De acordo com o Regulamento (CE) 1924/2006 (revogado) e o Regulamento (UE) 1169/2011 a farinha de esteva pode alegar não ter sódio/sal, ser uma fonte de cálcio e possuir um alto teor em fósforo, magnésio, potássio, cobre, ferro, manganês e zinco.
Figura 3. Composição mineral da farinha de sementes de esteva (ICP-MS).
Usando dados da composição nutricional de outras sementes, frutos secos e cereais (INSA, 2021, www.portfir.insa.pt), as sementes de esteva posicionam-se, ao lado das sementes ricas em fibras e cinzas, entre os cereais ricos em hidratos de carbono e os frutos secos ricos em gordura (Figura 4).
Figura 4. Projeção das variáveis nutricionais A. e dos cereais, frutos secos e sementes B. no gráfico de dois fatores (componentes) obtido pela análise de componentes principais (PCA) usando os valores médios do estudo (sementes de esteva) e os valores da Plataforma Portuguesa de Informação Alimentar (INSA, 2021; restantes cereais, frutos secos e sementes).
Considerando a vasta área de distribuição e abundância da esteva em Portugal e a composição completa do ponto de vista nutricional, podemos começar a olhar para a esteva como um recurso capaz de contribuir para um abastecimento e segurança alimentar de qualidade.
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